A morte ainda é tabu, mesmo na medicina. Para oferecer cuidado integral, é preciso falar de luto, escuta, dignidade e amor até o fim da vida
Falar sobre luto e cuidados no fim da vida é essencial — mas ainda cercado de tabus e resistências, inclusive dentro da própria medicina. Em uma sociedade que valoriza a juventude, a produtividade e o sucesso, o fim da vida costuma ser visto como fracasso, quando, na verdade, é uma etapa inevitável da existência humana. Mais do que prolongar a vida, o cuidado médico também deve garantir que ela seja vivida com dignidade, independência e respeito aos desejos do paciente até o último instante.
O luto e os cuidados paliativos fazem parte desse processo. Embora a medicina tenha avançado em tratamentos e tecnologias, ainda precisa evoluir na escuta, na empatia e na presença diante da finitude. O sofrimento nem sempre começa na morte. Muitas vezes, manifesta-se muito antes, no chamado luto antecipatório — que surge quando o paciente recebe um diagnóstico grave e sem perspectiva de cura. Nesse momento, ele e sua família enfrentam perdas simbólicas e emocionais profundas: da autonomia, dos planos futuros e da identidade. Reconhecer esse sofrimento e acolhê-lo é parte essencial do cuidado humano.
Finitude e dignidade: o papel da escuta na prática médica
Falar sobre a morte na geriatria é uma forma de cuidado e humanização. Ainda é comum que hospitais e clínicas evitem a temática, como se o silêncio pudesse proteger da dor. Mas é justamente o contrário: calar sobre a morte é falhar em cuidar plenamente da vida.
A medicina, moldada historicamente para combater doenças, muitas vezes ignora o valor da escuta sensível, da vivência do tempo presente e da possibilidade de uma despedida com dignidade. Falar sobre a finitude com pacientes, familiares e equipes de saúde é essencial. Mesmo diante da impossibilidade de curar, ainda é possível aliviar sintomas, oferecer conforto e estar presente.
Cuidar de quem parte é também cuidar de quem fica
O luto não deve ser tratado como algo a ser resolvido ou evitado. Ele precisa ser reconhecido como parte natural do processo de cuidado. A medicina falha não quando a morte acontece, mas quando ignora que, até o último instante, há espaço para a escuta, para o alívio e para o amor.
É neste ponto que a medicina paliativa se revela fundamental. Mais do que uma especialidade, ela é uma filosofia de cuidado que valoriza a dignidade, o acolhimento emocional e o respeito à vontade do paciente. Humanizar o processo de morrer é também uma forma de cuidar de quem fica. Afinal, ao cuidar de alguém em fase terminal, cuida-se também da pessoa que é — e sempre será — o amor da vida de alguém.
Quando os profissionais de saúde reconhecem que o fim da vida é uma travessia, e não uma guerra perdida, o luto torna-se menos pesado. A dor não desaparece, mas o amor encontra espaço para se manifestar até o fim. Quanto mais digna é a despedida, mais suave se torna o caminho da saudade.
É urgente que a medicina — e a sociedade como um todo — aprenda que falar sobre a morte também é uma forma de honrar a vida.
Dra. Julianne Pessequillo – CRM 160.834 | RQE 71.895
Geriatria e Clínica Médica – Longevidade Saudável