O cuidado adequado de feridas crônicas pode ser decisivo para identificar doenças silenciosas e garantir o bem-estar do paciente
As feridas crônicas, frequentemente consideradas meros inconvenientes, podem ser, na verdade, indicadores de problemas de saúde mais complexos. Muitas pessoas não sabem que condições como diabetes, doenças de pele e doenças vasculares se manifestam por meio de feridas que não cicatrizam e que um tratamento inadequado pode levar a sérias consequências, incluindo a amputação.
Feridas crônicas: sinais de alerta para doenças graves
Feridas crônicas são aquelas que não cicatrizam no período esperado — geralmente até três meses. Elas podem surgir devido a uma variedade de fatores e, muitas vezes, são sintomas de condições sistêmicas. Por exemplo, o diabetes é uma das principais causas de feridas crônicas. A hiperglicemia, ou seja, altos níveis de glicose no sangue, pode danificar nervos e a circulação sanguínea, dificultando a capacidade do corpo de cicatrizar feridas. Pacientes diabéticos podem desenvolver úlceras nos pés que, se não tratadas, podem resultar em amputações.
Outro problema sistêmico associado às feridas crônicas é a doença arterial obstrutiva periférica. Essa condição ocorre quando o fluxo sanguíneo não é adequado, levando a uma cicatrização lenta e dificultando a resposta do corpo a lesões. Feridas em regiões onde a circulação é comprometida, como pés e pernas, podem se tornar infectadas e graves se o tratamento não for iniciado prontamente.
Compreender que feridas crônicas podem servir como alertas para doenças mais sérias é fundamental. Profissionais de saúde devem reconhecer a importância de examinar essas feridas em busca de sinais de problemas sistêmicos, pois isso pode levar a diagnósticos precoces e, consequentemente, a tratamentos mais eficazes.
Tecnologias e avanços nos tratamentos
Felizmente, a ciência e a tecnologia têm avançado rapidamente nos cuidados com feridas, proporcionando novas soluções que melhoram a cicatrização e, ao mesmo tempo, auxiliam no diagnóstico de condições subjacentes.
- Tratamento com Nutrição Parenteral Total (TPN): a TPN é um método que fornece nutrientes diretamente na corrente sanguínea, sendo vital para pacientes que não conseguem se alimentar normalmente devido a doenças subjacentes. A nutrição adequada é essencial para a cicatrização, e a TPN garante que o corpo receba os elementos necessários para acelerar esse processo.
- Matrizes Regenerativas: essas estruturas ajudam a promover a cicatrização ao fornecer uma superfície para o crescimento celular. São particularmente úteis em feridas crônicas, pois aceleram a regeneração do tecido. Ao replicar a matriz extracelular do organismo, essas matrizes favorecem a organização e o desenvolvimento do novo tecido, resultando em cicatrização mais eficiente.
- Oxigenoterapia Hiperbárica: Esse tratamento envolve a respiração de oxigênio puro em uma câmara pressurizada, sendo utilizado em feridas crônicas que não respondem a terapias convencionais. O aumento da pressão e da oferta de oxigênio no sangue melhora a oxigenação dos tecidos lesionados, contribuindo para uma cicatrização mais rápida e eficaz.
As inovações tecnológicas nos cuidados com feridas não apenas aceleram a cicatrização, mas também permitem que médicos monitorem e identifiquem melhor doenças que possam ser a origem das feridas. O uso de ferramentas de diagnóstico, como ultrassonografias e exames laboratoriais, em conjunto com esses tratamentos, contribui para um plano de ação abrangente que aborda tanto a ferida quanto a condição subjacente.
Desafios de acesso a terapias avançadas
Apesar dos avanços nas tecnologias de tratamento de feridas, muitos pacientes ainda enfrentam barreiras significativas para acessar essas terapias, especialmente no Brasil, onde o SUS é a principal forma de assistência à saúde para a maioria da população. Algumas dessas barreiras incluem:
- Falta de recursos financeiros: muitas terapias avançadas são caras e, mesmo quando disponíveis, o SUS pode enfrentar dificuldades para oferecer acesso devido a limitações orçamentárias. O financiamento insuficiente pode resultar em longas filas e em menor qualidade de atendimento, gerando tratamentos atrasados que agravam as condições dos pacientes.
- Desigualdade geográfica: existe grande disparidade entre as regiões do Brasil quanto ao acesso a tecnologias de saúde. Muitas inovações em tratamentos de feridas estão concentradas nos grandes centros urbanos, enquanto áreas rurais ou menos desenvolvidas frequentemente carecem dos recursos e equipamentos necessários.
- Capacitação profissional: a falta de formação e treinamento adequados para profissionais de saúde pode levar ao manejo inadequado das feridas. Ao não reconhecer o potencial de uma ferida crônica como sinal de problema sistêmico, o profissional pode deixar de encaminhar o paciente para testes e tratamentos necessários.
- Burocracia e falta de informação: a burocracia do sistema de saúde frequentemente dificulta o acesso a tratamentos avançados. Muitos pacientes não têm informações suficientes sobre suas opções, o que pode atrasar o início do tratamento.
Feridas que parecem simples lesões superficiais podem conter informações essenciais sobre a saúde geral do paciente. Um tratamento adequado acelera a cicatrização e também pode revelar doenças ocultas que, se não tratadas, podem levar a complicações graves, como amputações. As tecnologias modernas têm potencial para transformar a abordagem ao tratar feridas crônicas.
No entanto, é fundamental superar os desafios de acesso a essas terapias, especialmente no contexto do SUS e da saúde suplementar. Só assim será possível garantir que todos os pacientes tenham a oportunidade de receber cuidados dignos e eficazes. A conscientização dos profissionais de saúde e do público sobre as implicações das feridas crônicas é um passo decisivo na luta para prevenir complicações e salvar vidas.
Andréa Klepacz (CREMESP 128.575 / RQE 51419)
Cirurgiã vascular e membro da Brazil Health