Do pensamento à ação: como interfaces cérebro-máquina estão transformando a reabilitação neurológica

Tecnologias que conectam o cérebro a dispositivos eletrônicos já permitem que pessoas com paralisia voltem interagir com o mundo; no Brasil, exemplos como o do Dr. Raul Nogueira e do Dr. Miguel Nicolelis evidenciam que revolução está mais próxima do


Tecnologias que conectam o cérebro a dispositivos eletrônicos já permitem que pessoas com paralisia voltem interagir com o mundo; no Brasil, exemplos como o do Dr. Raul Nogueira e do Dr. Miguel Nicolelis evidenciam que revolução está mais próxima do que imaginamos

Reginaldo Castro/Estadão Conteúdo
Juliano Pinto, de 29 anos, que é paraplégico, deu um “chute simbólico” em uma bola de futebol na abertura da Copa do Mundo de 2014, na Arena Corinthians

Imagine controlar um computador, uma cadeira de rodas ou até um braço robótico apenas com o pensamento. O que antes parecia ficção científica começa a se concretizar em hospitais e centros de pesquisa. As chamadas interfaces cérebro-máquina (ou Brain-Computer Interfaces, BCIs) são tecnologias capazes de captar os sinais elétricos emitidos pelo cérebro, interpretá-los e transformá-los em comandos para operar aparelhos eletrônicos.

Em termos simples, o pensamento é “traduzido” para uma linguagem que as máquinas conseguem entender. Um sensor capta essa atividade cerebral, um software interpreta os dados e envia o comando ao equipamento — seja para mover uma cadeira de rodas, digitar em um teclado virtual ou controlar um braço robótico.

O Stentrode: uma revolução minimamente invasiva

Um dos avanços mais promissores nessa área é o Stentrode, desenvolvido pela empresa Synchron. O dispositivo atua como um stent vascular com eletrodos incorporados, posicionado no seio sagital superior, próximo ao córtex motor. A grande inovação está no método de implantação: o Stentrode é colocado por via endovascular, sem necessidade de abrir o crânio. O procedimento é semelhante ao tratamento de aneurismas ou de um AVC isquêmico, realizado em centros que já contam com neurorradiologia intervencionista.

Ensaios clínicos demonstraram que pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA) e paralisias graves conseguiram utilizar o implante para se comunicar digitalmente, clicando em telas de computador quando associado a sistemas de rastreamento ocular. Importante ressaltar: não foram relatados eventos adversos graves relacionados ao dispositivo nos estudos iniciais.

Neurorradiologia intervencionista: conectando cérebro e tecnologia

A chegada do Stentrode representa mais do que um avanço tecnológico: ela amplia o campo de atuação da neurorradiologia intervencionista, que passa a desempenhar um papel central no cenário das interfaces cérebro-máquina. Essa especialidade, tradicionalmente reconhecida pelo tratamento de aneurismas, malformações vasculares e manejo endovascular do AVC, agora se posiciona também como porta de entrada da neurotecnologia no sistema de saúde.

Com técnicas já consolidadas, como o cateterismo cerebral, os neurorradiologistas intervencionistas estão preparados para implantar dispositivos como o Stentrode de forma segura, ágil e com menor risco para o paciente.

Do Brasil para o mundo

No Brasil, o neurologista Raul Nogueira, cearense e professor da Universidade de Pittsburgh, está entre os pioneiros na implantação de dispositivos endovasculares como o da Synchron. Casos recentes mostram que pacientes anteriormente incapazes de se comunicar voltaram a interagir com familiares e profissionais de saúde por meio do pensamento.

Outro destaque é o neurocientista Miguel Nicolelis, que liderou o Projeto Andar de Novo em parceria com a Unicamp. Seu trabalho demonstrou que o cérebro pode incorporar máquinas ao esquema corporal, como ficou registrado no histórico chute inicial da Copa de 2014, realizado com um exoesqueleto controlado pelo pensamento. Essas iniciativas reforçam que o Brasil não apenas acompanha, mas também contribui ativamente para a vanguarda mundial das interfaces cérebro-máquina.

Benefícios, desafios e perspectivas

Os principais beneficiados por essa tecnologia são pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA), sequelas graves de acidente vascular cerebral (AVC), lesões medulares e outras doenças neuromusculares avançadas, que ainda enfrentam grandes limitações para manter sua autonomia. Apesar disso, persistem obstáculos importantes: o custo elevado dos dispositivos, a necessidade de terapia antiplaquetária nos casos de implantes endovasculares, a ausência de regulamentação clara por parte de órgãos como Anvisa e FDA e a escassez de equipes treinadas em hospitais públicos e privados.

Especialistas acreditam que, nos próximos anos, os dispositivos se tornarão menores, mais estáveis e acessíveis. Parcerias entre universidades, startups e hospitais devem acelerar a chegada dessas soluções ao SUS e ampliar seu uso em clínicas privadas.

Se Nicolelis demonstrou que o cérebro pode aprender a controlar máquinas, o Stentrode mostra que isso pode ser feito de modo minimamente invasivo, seguro e clinicamente aplicável. A neurorradiologia intervencionista desponta como a especialidade que fará a ponte entre inovação tecnológica e prática médica, contribuindo para transformar pensamento em ação e, acima de tudo, em qualidade de vida.

Dr. Diego Bandeira – CRM 11.379 / CE – RQE 11.817
Neurologista e Membro da Brazil Health





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