Bebês reborn despertam acolhimento, mas acendem discussões sobre limites emocionais e saúde mental

As bonecas hiper-realistas vêm ganhando cada vez mais espaço entre colecionadores e também entraram no radar de psicólogos, psiquiatras e terapeutas; leia análise da psicóloga Márcia Lenci Viscomi sobre o tema Valter Campanato/Agência Brasil O sinal de alerta aparece quando


As bonecas hiper-realistas vêm ganhando cada vez mais espaço entre colecionadores e também entraram no radar de psicólogos, psiquiatras e terapeutas; leia análise da psicóloga Márcia Lenci Viscomi sobre o tema

Valter Campanato/Agência Brasil
O sinal de alerta aparece quando a boneca deixa de ser um apoio temporário e passa a ocupar o lugar de uma presença fixa e insubstituível

Eles têm pele de silicone, peso de um recém-nascido, cheirinho de talco e cada detalhe meticulosamente pensado para se parecer, o máximo possível, com um bebê de verdade. Os bebês reborn — bonecas hiper-realistas — vêm ganhando espaço não apenas entre colecionadores, mas também no universo do cuidado emocional e, mais recentemente, no radar de psicólogos, psiquiatras e terapeutas.

O que explica esse fenômeno? Para alguns, os reborns são fonte de afeto, acolhimento e até mesmo uma forma de terapia. Para outros, representam um alerta sobre os limites entre conforto emocional e a negação da realidade. Afinal, onde termina o cuidado e começa o adoecimento?

O afeto que acalma

Não é difícil entender o apelo afetivo dos bebês reborn. Eles podem oferecer consolo, especialmente em contextos de dor. É comum que mulheres que passaram por perdas gestacionais encontrem, na presença simbólica da boneca, um apoio temporário para elaborar o luto. Idosos que vivem com demência, por exemplo, também podem se beneficiar do manuseio desses bebês de silicone, como mostram alguns estudos na área de geriatria, que relatam redução na ansiedade, na solidão e na agitação de pacientes com Alzheimer.

Em situações assim, o bebê reborn funciona como um objeto de apoio emocional, uma ponte simbólica que ajuda a organizar as emoções e a dar sentido a experiências difíceis. A psicologia há muito tempo reconhece o valor dos chamados objetos transicionais — aqueles que oferecem segurança em momentos de vulnerabilidade emocional, como o famoso “paninho” que muitas crianças carregam para se sentir seguras.

Quando o conforto se torna prisão

Mas nem sempre esse recurso é saudável. Quando o vínculo ultrapassa o limite do simbólico e a pessoa passa a viver a fantasia como se fosse realidade, o que era apoio pode se transformar em prisão psíquica. Existem casos em que o apego ao bebê reborn substitui relações humanas, gera isolamento social e até impede o enfrentamento de questões emocionais importantes, como a elaboração do luto, a aceitação da solidão ou a superação de traumas.

O sinal de alerta aparece quando a boneca deixa de ser um apoio temporário e passa a ocupar o lugar de uma presença fixa e insubstituível. Nesses casos, o bebê reborn deixa de ser expressão de afeto e passa a ser um sintoma de sofrimento — um indicativo de que há uma dificuldade maior em lidar com a realidade e com a própria dor.

O sintoma de uma sociedade que não suporta sofrer

Mais do que um fenômeno individual, os bebês reborn também dizem muito sobre o nosso tempo. Vivemos em uma sociedade que parece não tolerar a ausência, o vazio e o sofrimento. Somos constantemente estimulados a buscar prazer instantâneo: no clique das redes sociais, na compra por impulso, na ansiedade por novidades, nas distrações sem fim. Tudo isso alimenta uma lógica de dopamina — uma busca incessante por pequenas doses de satisfação que aliviam, ainda que por segundos, qualquer desconforto.

O bebê reborn, nesse sentido, é quase uma metáfora perfeita da nossa dificuldade contemporânea em lidar com a falta. É a tentativa de transformar ausência em presença, dor em preenchimento, luto em objeto. Em vez de elaborarmos a perda, buscamos anulá-la. Em vez de ressignificar a dor, buscamos silenciá-la com algo que, embora pareça, não é real.

O brincar, que é tão saudável e estruturante na infância, perde sua função simbólica quando, na vida adulta, se transforma em fantasia rígida, na qual o objeto passa a ser vivido como substituto da realidade — e não como representação.

Brasília (DF), 16/05/2025 - Bebê reborn

O debate sobre os bebês reborn é um convite para refletirmos sobre nós mesmos (Valter Campanato/Agência Brasil)

O valor da dor

Apesar de desconfortável, a dor tem um papel fundamental na vida psíquica. É ela que nos convoca a refletir, a reorganizar, a construir novos sentidos. Elaborar o luto, ressignificar ausências e aprender a conviver com aquilo que não podemos mudar faz parte da nossa humanidade.

Quando negamos essa experiência — seja através de distrações constantes, de relações superficiais ou até da tentativa de substituir o que não pode ser substituído — adoecemos. A saúde mental não está na busca pela felicidade constante, mas na capacidade de atravessar, com coragem, também as experiências difíceis da vida.

Por isso, o debate sobre os bebês reborn é, na verdade, um convite para refletirmos sobre nós mesmos, sobre nossos tempos e sobre o quanto estamos, como sociedade, perdendo a capacidade de lidar com a falta, a dor e os ciclos naturais da existência.

*Por Dra. Márcia Lenci Viscomi – CRP-06/17014
Psicóloga Clínica com pós-graduação em psicodrama, psicanálise e neuropsicologia pelo Hospital Israelita Albert Einstein/Divisão de Ensino e Pesquisa

 





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