Uma semana após operação mais letal da história, especialistas avaliam impactos na segurança pública do Rio

A maior e mais letal operação policial do Rio de Janeiro completa uma semana marcada por intensos debates sobre sua eficácia e os rumos da política de segurança pública, após o impacto da morte de 121 pessoas, sendo quatro policiais.


A maior e mais letal operação policial do Rio de Janeiro completa uma semana marcada por intensos debates sobre sua eficácia e os rumos da política de segurança pública, após o impacto da morte de 121 pessoas, sendo quatro policiais. Cerca de 2,5 mil agentes das Polícias Civil e Militar entraram nos Complexos da Penha e do Alemão para cumprir mandados da Operação Contenção, que busca combater a facção criminosa Comando Vermelho (CV).

Para a cientista social Silvia Ramos, que dirige o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e coordena a Rede de Observatórios de Segurança, a expectativa é de que pouca coisa mude na ação da facção dentro de favelas no Rio. Ela destaca que, apesar da proporção, a ação segue os moldes de operações anteriores que, em sua avaliação, não tiveram efeitos tão duradouros a longo prazo no combate ao crime organizado na periferia.

“A polícia saiu do complexo da Penha e do Alemão e não vai entrar de novo, porque lá ainda está cheio de homens armados a mando do CV, assim como em muitas outras partes da cidade e do Brasil. Nós estamos utilizando esse tipo de política de segurança nos últimos 30 anos – este governo especificamente do Claudio Castro utilizou isso radicalmente – e as facções se fortaleceram ainda mais”, destacou a pesquisadora.

Realizada na última terça (28), Operação Contenção enviou 2,5 mil agentes para Penha e Alemão; 121 pessoas morreram – Foto: Divulgação/Polícia Militar

O pesquisador Jonas Pacheco, que também integra a Rede de Observatórios de Segurança, concorda que a ação não diminui, em um escopo geral, o domínio da facção no Rio. Para ele, os resultados da ação podem até provocar um enfraquecimento superficial, mas não afetam diretamente os núcleos de comando do CV.

“Se a gente pensa em um enfraquecimento sólido, no sentido de diminuir, de fato, os domínios territoriais, a gente não vai ver enfraquecimento nenhum da facção. O modo estratégico de atuação do Comando Vermelho não se dá majoritariamente no complexo do Alemão ou nessas regiões historicamente estigmatizadas como áreas perigosas e conflagradas”, afirma.

Na avaliação do governo estadual e das secretarias de Polícia, a ação foi considerada “um sucesso” e representou “o maior baque que o Comando Vermelho já tomou” no Rio. Passados alguns dias, porém, especialistas estimam que o impacto real da ação no contexto da criminalidade nas periferias fluminenses é um pouco mais complexo do que o sugerido.

Para especialistas, principal impacto é eleitoral

Outro ponto em que ambos concordam é nos impactos eleitorais da ação. Silvia aponta que o escopo da operação não necessariamente indica uma postura estratégica da Polícia, mas dialoga com tópicos de interesse público que devem estar no centro do debate eleitoral no próximo ano.

“Os dados que mostram apoio de uma parte importante da população a ações violentas por parte do Estado são conhecidos. Os resultados são surpreendentes porque são em cima de uma violência extrema que esse país nunca tinha visto, mas a verdade é que o ‘populismo penal’ sempre aparece exatamente nos momentos em que a população está mais amedrontada, desgostosa e desencantada com as políticas de segurança do próprio Estado”, afirma a pesquisadora.

Para pesquisadora, avanço da letalidade em ações policiais se relaciona com pautas eleitorais que devem estar em alta no ano que vem
Para pesquisadora, avanço da letalidade em ações policiais se relaciona com pautas eleitorais que devem estar em alta no ano que vem – Foto: Marcelo Regua/Governo do Estado

Para Jonas, há indícios de “oportunismo político” na forma como o governo avaliou os resultados da operação. Essa tônica serve de indicativo para a forma como o debate eleitoral deve ocorrer em 2026, na avaliação dos especialistas.

“É muito revelador que essa operação tenha ocorrido próximo de uma disputa eleitoral, em que o governo Cláudio Castro tinha mais de 60% de desaprovação”, destaca Silvia. Os pesquisadores não descartam a possibilidade de novas operações de grande escala em favelas do Rio, mas veem com ceticismo os efeitos práticos na segurança urbana.

“Você enfraquece esses grupos [criminosos] atingindo a cadeia financeira e administrativa deles; atingindo quem está no meio e no topo, e não quem está na ponta final, no ‘varejo’ ali nas favelas, segurando uma arma e sendo usada como ‘bucha de canhão’ que, amanhã, vai ser reposta por outros jovens – vão entrar mais fuzis, eles vão responder de forma mais violenta e atingir mais ainda a população local”, projeta a especialista.

Grupos criminosos rivais podem tentar ampliar território após operação, mas influência do CV permanece

Sobre a movimentação de outros grupos criminosos no momento imediatamente posterior à operação, os pesquisadores divergem. Para Jonas, apesar da manutenção do domínio do CV, existe alguma possibilidade de que facções rivais ou grupos paramilitares tentem disputar o comando do crime em algumas regiões do Rio – aproveitando o momento em que o CV “não está enfraquecido, mas se reorganizando”.

“O Rio de Janeiro tem essa nova característica de milícias aliadas a facções criminosas de venda de drogas. Com isso, é bem possível que a gente veja algum tipo de tentativa de retomada de territórios [por esses grupos]. Mas é importante aguardar também, porque as regiões em que a milícia é muito forte são a Zona Oeste e Sudoeste. Ainda precisamos avaliar como esse impacto no Alemão e na Penha vai chegar até esses outros territórios. Mas é bem possível que a gente veja tentativas de tomada de território”, afirma o pesquisador.

113 pessoas foram presas durante operação nos complexos da Penha e do Alemão
“Acho difícil que haja um enfraquecimento tão grande do Comando Vermelho”, afirma Silvia Ramos – Foto: Divulgação/Polícia Militar

Já a diretora do CESeC não acredita em um fortalecimento da milícia ou de outros grupos ligados ao tráfico de drogas, como o Terceiro Comando Puro (TCP), diante do resultado da operação.

“Acho difícil que haja um enfraquecimento tão grande do Comando Vermelho nos complexos do Alemão e da Penha que chegue a ver um risco de invasão de outros grupos nessas grandes áreas. São áreas tradicionalmente dominadas pela facção há décadas. É muito difícil prever a movimentação dessas forças na cidade do Rio, mas não acho que sequer isso será alterado depois dessa chacina”, opina Silvia Ramos.

Uma expectativa que ambos compartilham, no entanto, é a de que o CV invista em tentativas violentas de retaliação à operação em territórios que já dominam. “O que a gente tem de histórico no Rio demonstra que, após uma grande operação como essa, existe sempre uma expectativa de possíveis retaliações do Comando Vermelho”, afirma Jonas.



Conteúdo Original

Posts Recentes

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE