Política pública ou manobra eleitoreira? Tarifa zero já está presente em 17 municípios do Rio

A política de tarifa zero nos ônibus tem ganhado força no Estado do Rio. Nos últimos cinco anos, 15 cidades fluminenses adotaram a proposta, e, atualmente, o estado lidera o ranking nacional com o maior número de municípios que oferecem


A política de tarifa zero nos ônibus tem ganhado força no Estado do Rio. Nos últimos cinco anos, 15 cidades fluminenses adotaram a proposta, e, atualmente, o estado lidera o ranking nacional com o maior número de municípios que oferecem passe livre no transporte público: são 17 no total. A tendência já é observada por especialistas, que destacam os benefícios e desafios da medida.

Os dados foram produzidos pelo mapeamento coletivo de cidades com políticas universais de passe livre no Brasil, realizado pelo pesquisador de mobilidade urbana da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Santini. A tarifa zero refere-se à gratuidade no transporte público. Ou seja, quando a passagem de ônibus, trem, metrô ou outros meios de transporte é oferecida gratuitamente aos passageiros.

Magé acompanha o movimento

A cidade que implementar a tarifa zero mais recentemente foi Magé, na Baixada Fluminense. Desde a última terça-feira (3), dez ônibus da nova frota, chamados de “Amarelinhos”, começaram a circular gratuitamente no município. Esses coletivos atendem sete linhas diferentes, com operação das 5h às 22h. A iniciativa é promovida pela prefeitura, que busca aumentar a adesão da população ao transporte público local.

A maior concentração de cidades com tarifa zero está na Região Metropolitana, com cinco municípios, e na Baixada Fluminense, com quatro. Outras regiões, como o Centro-Sul Fluminense, o Norte Fluminense, a Região Serrana e a Região dos Lagos, também aderiram à política, mas com menor representatividade — uma ou duas cidades em cada uma.

Além de Magé, outra adesão recente inclui Itaboraí, na Região Metropolitana – Foto: Divulgação

Análise por população

A análise por faixa populacional mostra que a tarifa zero foi adotada tanto por municípios grandes quanto menores. Quatro cidades com mais de 100 mil habitantes já oferecem transporte público gratuito, sendo Magé a maior delas, com 244.092 moradores.

A maior parte da lista é composta por municípios de porte médio, com população entre 20 mil e 100 mil habitantes. Também há cidades pequenas, com menos de 20 mil habitantes, que implementaram a medida.

Maricá foi a primeira a adotar a tarifa zero

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Os ônibus gratuitos são conhecidos como “Vermelhinhos”, por conta da cor da frota – Foto: Divulgação

Maricá, na Região Metropolitana, foi a primeira cidade fluminense com mais de 100 mil habitantes (211.986) a adotar a tarifa zero, em 2014. Os ônibus gratuitos são conhecidos como “Vermelhinhos”, por conta da cor da frota. Silva Jardim também iniciou o programa em 2014. Com 22.026 habitantes, é um dos municípios de menor porte a contar com o benefício.

Crescimento da tarifa zero no Rio e no Brasil

Nos últimos anos, a adesão ao modelo tem se intensificado no estado. Entre 2015 e 2019, foram registradas poucas iniciativas. No entanto, a partir de 2020, houve um crescimento expressivo, com 15 cidades incorporando a tarifa zero nos últimos cinco anos. Além de Magé, outras adesões de 2025 incluem Itaboraí, na Região Metropolitana, e Japeri, na Baixada Fluminense.

Em todo o Brasil, 135 cidades já adotaram a política de tarifa zero, principalmente no transporte por ônibus. A exceção é Teresina (PI) — a maior cidade do país com esse modelo de gratuidade, com 902.644 habitantes — que implementou o programa no sistema de metrô/VLT. A maioria dos municípios com tarifa zero está concentrada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, enquanto as regiões Norte e Nordeste registram menor adesão à iniciativa.

O que dizem os especialistas

Especialistas já observam a crescente tendência da tarifa zero no transporte público, especialmente no Rio de Janeiro. De acordo com Bruno Brandimarte, mestre em Engenharia de Transportes pela Universidade de São Paulo (USP), essa política tem ganhado força como resposta a uma profunda crise estrutural enfrentada pelo transporte coletivo em diversas cidades brasileiras ao longo da última década.

“Essa crise, agravada pela pandemia e pela concorrência dos serviços de transporte por aplicativo, resultou em uma queda significativa na demanda, aumento da evasão tarifária, desequilíbrio econômico-financeiro dos operadores e dificuldades dos municípios em manter a atratividade do serviço. Nesse cenário, a tarifa zero surge como uma alternativa para atrair passageiros, garantir o direito à mobilidade e reposicionar o transporte público como um bem essencial ao desenvolvimento urbano”, destaca.

‘Transporte público ainda é muito caro’

Diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella tem uma visão semelhante. Segundo ele, a tarifa zero tem, de fato, se consolidado como uma política em expansão no Brasil e apresenta diversos benefícios, principalmente por se tratar de uma necessidade básica da população.

“Todos precisam de transporte, 24 horas por dia, seja para ir ao médico, ao trabalho ou realizar outras atividades. No entanto, o transporte público ainda é muito caro para grande parte dos usuários. Mesmo com bilhetes únicos e subsídios, o custo continua elevado para muitas famílias”, afirma.

Bruno Brandimarte também destaca os possíveis benefícios da tarifa zero, especialmente em cidades pequenas e médias. Segundo ele, o primeiro impacto positivo costuma ser o aumento da demanda: com a gratuidade, mais pessoas passam a utilizar o transporte público para trabalhar, estudar ou acessar serviços. Isso, segundo o especialista, “favorece a inclusão social, especialmente de populações de baixa renda”.

Desafios da proposta

Quintella, no entanto, faz uma ressalva quanto à ampliação do uso de subsídios — política adotada para reduzir o custo da passagem para o usuário e viabilizar a gratuidade. Ele chama atenção para os desafios dessa medida e para a importância de elaborar contratos que atendam às especificidades de cada município.

“Já há, há muitos anos, discussões sobre subsídios no transporte, tanto no âmbito federal quanto no estadual, envolvendo serviços de trem e metrô. Para implementar uma política como a tarifa zero, é necessário ter contratos bem estruturados e um poder público capaz de lidar com o aumento da demanda, garantindo também a qualidade do serviço prestado. A tarifa zero é uma solução viável, mas que exige planejamento e comprometimento”, ressalta.

‘É essencial que haja planejamento e transparência’

Brandimarte concorda e aponta que há “desafios significativos” na adoção da tarifa zero. O principal, segundo ele, é o financiamento. Sem a arrecadação com passagens, o custo total da operação passa a depender exclusivamente de recursos públicos. Ele também alerta para a possibilidade de sobrecarga do sistema de transporte.

“Isso exige que o município tenha uma fonte de receita estável e de longo prazo, o que nem sempre é simples. Alguns optam por usar recursos de fundos municipais, impostos específicos, royalties ou redirecionamento de subsídios. Mas é essencial que haja planejamento e transparência para garantir a sustentabilidade do sistema. Além disso, o aumento da demanda pode sobrecarregar o serviço, especialmente em cidades com frota insuficiente ou planejamento inadequado de linhas e horários”, explica.

Política eleitoreira?

Sobre a discussão se a tarifa zero é uma verdadeira política pública ou apenas uma estratégia eleitoreira, Quintella é categórico: “toda política pública pode ter caráter eleitoral”. No entanto, ele ressalta que o mais importante é garantir que ela seja permanente.

“Não adianta implementar a tarifa zero e, com a troca de gestão, o benefício ser retirado. Esse é o principal desafio político dessa política: ela depende de recursos públicos e precisa ser estável. Não pode ser descontinuada a cada quatro anos, pois isso significaria um retrocesso. Cabe ao Legislativo criar mecanismos legais que garantam sua continuidade, evitando que seja usada apenas com fins eleitorais”, conclui.

‘Ferramenta’

Bruno Brandimarte também destaca a valorização crescente do transporte como política social por parte dos gestores públicos.

“Prefeitos e gestores têm visto a gratuidade como uma ferramenta de inclusão e estímulo à economia local. Municípios de menor porte, com sistemas mais simples e menor custo por passageiro, têm conseguido viabilizar essa política utilizando recursos que já eram parcialmente destinados ao transporte, mas que passaram a cobrir integralmente a operação”, finaliza.

Lista de cidades do Rio que adotam a tarifa zero

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Foto: Reprodução



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