A humanidade está ficando mais estúpida exatamente quando as nossas máquinas estão ficando mais inteligentes que nós.”
Jonathan Haidt, NY University.
Eu sou mesmo muito chato. Justamente quando o mundo inteiro está voltado para a sabedoria, cultura ou inteligência, natural ou artificial, eis que eu me interesso pelo oposto. Que tal pararmos para analisar um pouco a ignorância?
Há algumas semanas, eu me deparei com uma entrevista do historiador inglês Peter Burke e lá tomei conhecimento da agnotologia, ou seja, do estudo da ignorância produzida, disseminada e mantida intencionalmente. Aquilo me chamou a atenção. Aos 87 anos, depois de mais de 20 anos estudando conhecimento e cultura, ele voltou-se para o assunto e publicou recentemente o livro “Ignorância”, pela editora Vestígio. Ainda não li o livro, mas me interessei pelo assunto, que se revelou muito interessante.
A agnatologia, repito, é o estudo da ignorância deliberada. E a ignorância ou, educadamente falando, a “ausência de conhecimento”, nunca pode ser confundida com a estupidez ou burrice, apesar de isso ocorrer com muita frequência.
Um erro comum é aceitar que a ignorância é a falta de conhecimento, por ausência de informação. Ora, as informações existem e nunca estiveram tão acessíveis. Obviamente, os desníveis sociais e econômicos as fazem serem mais disponíveis para uns do que para outros. Impossível nivelar um morador de São Paulo ou Los Angeles com um cidadão de Biafra!
Todavia, é lícito dizer que a ignorância é inevitável, e existe no mundo inteiro, até porque seria utópico acreditar que alguém pode saber tudo. Ninguém sabe tudo. O que temos que considerar são os tipos de ignorância, que se diferenciam pela origem. Ela pode ser causada simplesmente por desinteresse pelas informações, por falta de acesso causada pela baixa escolaridade e/ou por exclusão social e, também, por informações inventadas ou manipuladas.
Essas últimas são as ignorâncias mais danosas e perigosas. Elas ocorrem com mais frequência do que seria admissível e são propositalmente criadas e incentivadas por pessoas ou grupos que manipulam os conhecimentos, ou a ausência deles, em benefício próprio. Corporações, governos, facções políticas ou grupos sociais podem criar ignorância. E por que fazem isso? Porque criar ignorância pode ser muito útil aos interesses particulares. A ignorância tende a provocar dúvidas e, quando há dúvida, as pessoas não tomam as melhores decisões. Daí a desinformação (e a internet é uma excelente ferramenta para esse objetivo, facilitando a disseminação de informações falsas, tornando a ignorância fabricada mais acessível, rápida e influente) é usada para manipular eleições (e haja fake news!), estimulando o dissenso ideológico e a divisão social. Da mesma maneira, informações manipuladas ajudam empresas a esconderem riscos à saúde dos seus clientes, para continuar vendendo. Quem não conhece exemplos de grupos economicamente poderosos que espalham desinformação sobre o aquecimento global para garantir seus interesses econômicos? Pelo absurdo criminoso que é, nem quero me estender sobre os casos de campanhas negacionistas que desacreditam todos os tipos de vacinas.
Essa ignorância fabricada certamente é a mais danosa à sociedade, mas não podemos deixar de lado a ignorância provocada pela pobreza, pela dificuldade de acesso às informações corretas e valiosas. Essa é a mais difícil de ser combatida, até porque muitas autoridades preferem manter o povo na ignorância, impedindo-o de ver e julgar os seus desmandos.
Mas, incrivelmente, a ignorância também pode ser benéfica. E, mesmo com todos os seus males, ainda pode ser analisada pelos otimistas por um ângulo positivo. Ela pode estimular a busca de conhecimentos. É notório que a ciência tem relação muito íntima com a ignorância, pois, na busca de diminui-la, os estudiosos são obrigados a enfrentar e desvendar o desconhecido. Ou seja, a ignorância verdadeira, não manipulada, desafia a pesquisa e o desenvolvimento científico.
Antes de concluir, apresento a diferença entre burrice, estupidez e ignorância. A burrice é inconsciente e genética não podendo ser corrigida; a ignorância é a falta de conhecimento e, portanto, pode ser superada. Já a estupidez é a resistência voluntária ao aprendizado, o que é uma tremenda estupidez!