Enquanto países como Israel e Espanha transformaram o reuso de água em solução estratégica diante das mudanças climáticas, o Brasil ainda engatinha nesse debate. Hoje, menos de 2% da água tratada no país é reaproveitada, segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). A ausência de uma política pública robusta sobre o tema acende o alerta em um cenário de estiagens severas, aumento da demanda populacional e pressão sobre os recursos naturais.
Diante dessa realidade, o I Fórum de Reuso de Água, realizado na última semana, no Centro do Rio, reuniu representantes de governos, especialistas e empresas para debater os caminhos possíveis. O encontro, promovido pelo Instituto Reuso de Água — fruto de uma parceria Brasil-Portugal —, aconteceu na sede da concessionária Águas do Rio e lançou luz sobre soluções que associam tecnologia, inclusão social e desenvolvimento sustentável.
As águas de reuso, segundo ambientalistas, podem ser empregadas para irrigar áreas verdes urbanas; na agricultura, para cultivo de alimentos com controle sanitário; em processos industriais, como resfriamento de máquinas e limpeza de equipamentos, além da construção civil, lavagem de ruas e veículos e ainda em sistemas sanitários, como descargas.
A proposta do encontro foi apresentar essa reutilização como uma alternativa viável e sustentável para garantir a segurança hídrica, a universalização do saneamento e a construção de cidades mais resilientes. Ao longo do dia, foram realizados painéis temáticos, com a participação de nomes de peso da área ambiental, acadêmica e do setor privado, como o professor José Vieira (Universidade do Minho/Portugal), Tatiana Carius (diretora Institucional da Aegea, holding que controla a Águas do Rio), Miguel Fernandéz (presidente do Crea-RJ), Gesner Oliveira (sócio do GO Associados), Eduardo Pedroza (gerente de Novos Negócios da GS Inima Brasil), Marcus Vallero (gerente de Novos Negócios da Veolia), Frieda Cardoso (Copasa) e Marília de Melo (secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais).
Na abertura do Fórum, Tatiana Carius destacou: “Por muito tempo se duvidou da viabilidade do abastecimento industrial com água de reuso. Hoje, temos tecnologia capaz de produzir água com qualidade para diversos setores, de forma segura e eficiente”, afirmou.
Tatiana ressaltou ainda que a reutilização deve ser encarada como uma solução capaz de conciliar os interesses sociais, ambientais e industriais. Segundo ela, a Aegea já investiu R$ 4 bilhões em saneamento básico desde o início da concessão e pretende avançar na integração do reuso em ações estratégicas para enfrentar os efeitos dos extremos climáticos, como a seca registrada em fevereiro deste ano em vários estados do país.
Luana Pretto, diretora-executiva do Instituto Trata Brasil, foi enfática ao apontar que esse recurso será essencial em um futuro cada vez mais instável. “Com o aumento da temperatura global e o crescimento populacional, o quanto mais vamos precisar retirar dos rios se não avançarmos no reuso?”, questionou.
Segundo estudo do instituto, a demanda poderia ser 70% maior se nada mudar. Ela reforçou que o avanço no saneamento e o uso eficiente da água são peças-chave para assegurar o abastecimento para toda a população.
Projeto une indústria e sociedade
Durante o Fórum, foi destacado um projeto liderado pela Aegea e pela petroquímica Braskem, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que será abastecido 100% com água de reuso. O acordo, firmado em fevereiro, prevê a construção de uma estação de tratamento de esgoto e redes coletoras, com investimentos antecipados pela Aegea à Águas do Rio.
A iniciativa vai beneficiar diretamente mais de 260 mil pessoas com acesso a saneamento básico e, ao mesmo tempo, fornecerá água de reuso à unidade industrial da Braskem — que, com isso, deixará de captar água do Rio Guandu, principal manancial da Região Metropolitana.
“Estamos criando um ciclo sustentável que beneficia a indústria, as comunidades e o meio ambiente. É um modelo que pode e deve ser replicado”, afirmou Alexandre Perufo, diretor-executivo da Aegea.
Além dos ganhos sociais e econômicos, o projeto também colabora com a recuperação da Baía de Guanabara. O esgoto antes despejado nos rios da região, que deságuam na baía, será desviado para a estação de tratamento, onde será transformado em água de reuso. O contrato, com duração de 30 anos, representa um marco na gestão hídrica do estado.
2025-06-17 12:46:00