O polêmico Projeto de Lei 4.606/2019, que pretende proibir qualquer alteração nos textos da Bíblia Sagrada, enfrenta forte resistência e parece ter empacado no Congresso Nacional. Apesar de já ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados e ter passado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, a proposta encontrou um impasse na Comissão de Educação (CE), onde foi alvo de duras críticas durante audiência pública realizada nesta última quinta-feira (30).
Religião, Estado e liberdade em colisão
Apresentado pelo deputado Pastor Sargento Isidório (Avante-BA), o projeto busca garantir a “inviolabilidade” dos capítulos e versículos da Bíblia, vedando qualquer tipo de edição, adaptação ou tradução. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), autora do requerimento para o debate, reconheceu a complexidade jurídica e social da proposta e admitiu que outras pautas podem ser mais urgentes no momento. Ainda assim, defendeu a discussão por pressão de lideranças religiosas.
“Esse projeto fala com a maioria esmagadora da nossa população, que é cristã”, afirmou Damares.
Especialistas alertam para riscos constitucionais e acadêmicos
Durante o debate, teólogos, juristas e representantes religiosos alertaram para os riscos da proposta. Erní Walter Seibert, da Sociedade Bíblica do Brasil, destacou que o texto bíblico passou por inúmeras modificações ao longo dos séculos, como a introdução de vogais no hebraico e a numeração de capítulos e versículos — elementos que poderiam ser considerados “alterações” pelo projeto.
Renato Gugliano Herani, doutor em direito e representante da Igreja Universal, foi direto: se aprovado, o projeto transformaria o Estado em guardião oficial de um texto sagrado, violando o princípio do Estado laico.
“O Estado passaria a tutelar a sacralidade de um cânon, atuando como guardião teológico”, criticou.
Diversidade de versões e liberdade de interpretação em xeque
Rudolf Eduard von Sinner, doutor em teologia, alertou que o projeto inibiria a liberdade de interpretação religiosa e poderia levar à judicialização do tema. Walter Altmann, pastor luterano, lembrou que não há consenso sobre uma “versão original” da Bíblia, citando desde a tradução de Martinho Lutero até edições contemporâneas.
O teólogo Lourenço Rega apontou que há pelo menos 17 versões da Bíblia em circulação no Brasil e defendeu uma emenda alternativa apresentada pelo senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), que foca na liberdade de pregação e no reconhecimento das diferentes traduções.
Vozes religiosas se opõem à tutela estatal
Franklin Ferreira, pastor e teólogo, foi enfático ao afirmar que a Bíblia não precisa de proteção estatal, pois está sob a soberania divina. O padre Cássio Murilo Dias da Silva, da CNBB, reforçou que o projeto compromete o diálogo inter-religioso e transforma a Palavra de Deus em “palavra do Congresso”.
“O projeto parece ser algo pessoal do autor, mas não vejo utilidade para a sociedade”, declarou o padre.
Participação popular e polarização
A audiência contou com participação interativa via e-Cidadania. Enquanto alguns internautas defenderam a inviolabilidade do texto bíblico, outros alertaram para o risco de censura acadêmica e limitação de versões adaptadas para crianças e comunidades indígenas.
Projeto travado e sem consenso
Com críticas contundentes e sem consenso entre parlamentares e especialistas, o PL 4.606/2019 enfrenta dificuldades para avançar no Senado. A proposta, que mexe com fé, liberdade religiosa e princípios constitucionais, permanece em debate — mas por ora, estacionada.
2025-11-02 11:00:00



