No último domingo (21), a orla de Copacabana foi palco de um evento que a grande mídia apressou-se em rotular como uma “massiva manifestação popular” contra a PEC das Prerrogativas e o projeto de anistia que avança no Congresso Nacional. Mas por trás das manchetes e das imagens aéreas cuidadosamente enquadradas, o que se viu foi algo bem diferente de um levante espontâneo da sociedade civil: um show gratuito com Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, ícones da música brasileira e militantes históricos da esquerda.
Showmício disfarçado
A estratégia não é nova. Nos tempos em que comícios políticos buscavam atrair multidões, era comum recorrer a artistas populares para garantir público — os chamados “showmícios”, proibidos pela Justiça Eleitoral por mascararem apoio político com entretenimento. O que aconteceu em Copacabana parece ter sido uma releitura dessa tática, agora sob o manto da “mobilização democrática”. Atores, cantores e influenciadores se revezaram no palco, enquanto palavras de ordem eram entoadas entre uma música e outra. A presença de figuras como Djavan, Maria Gadú e Marina Sena reforçou o apelo artístico do evento.
Números inflados?
Segundo levantamento da USP, o público presente girou em torno de 40 mil pessoas — número expressivo, mas longe de representar uma comoção nacional. Ainda mais considerando que boa parte dos presentes pode ter sido atraída mais pela chance de ver seus ídolos do que por engajamento político genuíno. A área VIP reservada para celebridades e a espera de mais de duas horas antes do início das apresentações reforçam a impressão de que o foco estava no espetáculo, não no protesto.
Circo político em tempos de escassez
Enquanto artistas cantavam hinos contra a ditadura e exaltavam a democracia, o Brasil real seguia enfrentando corrupção, preços elevados de alimentos, déficit fiscal e insegurança. A crítica que ecoa é clara: num país onde ainda falta o pão, oferecer circo pode ser conveniente para quem deseja desviar o olhar da crise. A PEC das Prerrogativas e o projeto de anistia merecem debate sério, não encenação.
É legítimo que artistas se posicionem politicamente. Mas quando o engajamento vira espetáculo, e o espetáculo é vendido como mobilização popular, é preciso perguntar: quem está realmente sendo representado? E quem está se beneficiando da confusão entre arte e ativismo?
Protesto em Copacabana expõe seletividade da classe artística
2025-09-22 11:03:00