O que começou como um fenômeno localizado em Niterói já acende um alerta nacional. Práticas silenciosas e sofisticadas de expropriação judicial de imóveis por dívidas condominiais estão se multiplicando e já podem estar sendo replicadas em outras cidades brasileiras. Por trás de portarias discretas e assembleias silenciosas, um esquema sombrio se desenrola: a chamada “máfia dos condomínios”.
Alguns síndicos profissionais, conselhos administrativos e administradoras estariam agindo em conluio para transformar inadimplência em oportunidade de lucro. Imóveis de alto valor são levados a leilão com rapidez incomum, muitas vezes sem que os proprietários tenham tempo hábil para se defender. O resultado? Famílias despejadas, idosos desamparados e herdeiros privados de seus bens — tudo sob o manto da legalidade.
Em bairros nobres como Icaraí, Ingá e Santa Rosa, moradores relatam perseguições, assembleias manipuladas e ameaças judiciais. A moradia, direito constitucional, está sendo tratada como mercadoria em um jogo de interesses escusos.
Movimentos sociais e associações de defesa do consumidor já estão se organizando. Petições públicas, ações coletivas e denúncias ao Ministério Público estão em curso. Há também articulações para levar o caso à Câmara Municipal de Niterói, visando a instalação de uma CPI.
O golpe começa com a dívida
Segundo relatos de vítimas, tudo começa com a cobrança de taxas atrasadas. Mesmo diante de propostas de acordo, os representantes do condomínio recusam qualquer negociação. Em seguida, o imóvel é levado a leilão com velocidade incomum — muitas vezes sem notificação adequada ao proprietário. O valor de avaliação é abaixo do mercado, e os compradores, ligados ao próprio grupo, arrematam os bens por preços irrisórios.
“A dívida não chega a 3% do valor do meu imóvel. Um absurdo. Deve ser uma máfia mesmo”, denuncia um morador afetado.
Assembleias manipuladas e perseguição
As assembleias ordinárias, onde decisões deveriam ser tomadas coletivamente, são dominadas por síndicos e conselheiros previamente alinhados. Procurações de moradores ausentes são usadas para legitimar decisões unilaterais. Em alguns casos, há perseguição pessoal contra condôminos que questionam irregularidades.
“Fui chamada de ‘fugitiva da dívida’ em ata oficial, mesmo morando há 33 anos no imóvel e tentando negociar”, relata uma moradora do Jardim Icaraí.
Segundo as denúncias, a moradia, direito constitucional, está sendo violada por uma distorção do sistema judicial. “Fui despejada com meu filho autista. Não houve empatia, nem diálogo. Só pressão e ameaça”, conta outra vítima do esquema.
Conflito de interesses e abusos administrativos
Há casos em que administradoras assumem condomínios sem aprovação em assembleia, com sócios atuando simultaneamente como jurídicos do prédio. Condôminos que exigem documentos estariam sendo ameaçados com queixas-crime.
“O prédio virou terreno de manipulação e abuso”, denuncia uma moradora do Fonseca, outro bairro afetado.
Taxas abusivas e contas ocultas
Além da expropriação, há denúncias de cobranças condominiais abusivas, falta de transparência nos extratos e uso da chamada “conta pool”, onde todas as receitas passam pela administradora — prática que especialistas consideram desnecessária e perigosa.
O que dizem os órgãos oficiais
Em nota, a Comissão de Leilões da OAB Niterói afirmou que a cobrança judicial de cotas condominiais é legítima e prevista em lei, mas que não se deve generalizar casos isolados. O Procon Niterói, por sua vez, declarou que não atua no caso por não se tratar de relação de consumo.
2025-10-19 00:00:00