O setor de planos de saúde no Brasil vive um paradoxo alarmante. Enquanto operadoras médico-hospitalares registraram um lucro operacional de R$ 6,3 bilhões no primeiro semestre de 2025 — um salto de 157% em relação ao mesmo período do ano anterior e o maior em quatro anos— milhões de beneficiários enfrentam uma realidade marcada por negativas de cobertura, reajustes abusivos e atendimento precário, colocando em xeque o papel da Agência Nacional de Saúde (ANS) em relação à regulamentação do setor.
Recorde de lucro em meio à crise assistencial
Segundo dados divulgados pela ANS, o lucro líquido das operadoras de saúde suplementar alcançou R$ 12,9 bilhões entre janeiro e junho de 2025, impulsionado por receitas financeiras robustas e pela queda na sinistralidade, que atingiu 81,1%, o menor índice desde 2018.
Esse desempenho financeiro foi favorecido por altas taxas de juros — atualmente em 15% — que renderam R$ 6,8 bilhões em aplicações financeiras. As operadoras de grande porte lideraram o crescimento, com R$ 9,7 bilhões em lucro líquido, enquanto as de médio porte surpreenderam com um aumento de 622%.
Apesar dos resultados bilionários, os usuários enfrentam uma série de dificuldades:
- Negativas recorrentes de cobertura para procedimentos e medicamentos
- Longas esperas para consultas e exames, agravadas pela escassez de profissionais e descredenciamento da rede
- Reajustes abusivos nas mensalidades, muitas vezes acima da inflação
- Contratos confusos e falta de clareza nas informações
- Mudanças frequentes na rede credenciada, dificultando a continuidade do tratamento
- Problemas com reembolso e demora na autorização de procedimentos
- Atendimento deficiente e infraestrutura inadequada em diversas regiões
Impacto no SUS e a nova estratégia das operadoras
Outro ponto crítico é a crescente atuação dos planos de saúde na rede pública. Para abater dívidas com o governo federal, operadoras têm atendido pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), o que, segundo especialistas, pode sobrecarregar ainda mais a rede e comprometer a qualidade da assistência oferecida. A medida foi a forma encontrada pelo Governo Lula para tentar reduzir a fila do SUS sem precisar investir mais recursos na saúde.
Judicialização em alta e pressão por regulação
Com o aumento das queixas, cresce também a judicialização: só no segundo trimestre de 2025, as despesas judiciais das operadoras chegaram a R$ 4 bilhões, sendo R$ 2,1 bilhões referentes a procedimentos de cobertura obrigatória.
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou recentemente um projeto que proíbe o cancelamento de contratos de idosos e grupos vulneráveis, em resposta ao aumento de rescisões unilaterais por parte das operadoras.
Lucro de um lado, sofrimento do outro
O contraste entre o lucro recorde das operadoras e o sofrimento dos pacientes escancara a urgência de uma revisão profunda na regulação do setor. Enquanto os números celebram a “sustentabilidade econômico-financeira”, milhões de brasileiros seguem lutando por um atendimento digno e transparente.
2025-09-03 11:25:00