O governo que prometeu acabar com os “sigilos de 100 anos” agora vê seu Ministério das Relações Exteriores aprovar uma portaria que pode institucionalizar o segredo eterno. A medida, assinada pelo chanceler Mauro Vieira em 5 de novembro, permite que o Itamaraty negue pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI) mesmo quando os documentos não foram oficialmente classificados como sigilosos.
Na prática, telegramas diplomáticos, pareceres técnicos e negociações internacionais — peças fundamentais para entender decisões tomadas em nome do país — podem ser mantidos fora do alcance da sociedade sem qualquer aviso prévio.
O que muda
– Negativa sem classificação prévia: o ministério poderá recusar pedidos de acesso mesmo sem declarar sigilo.
– Critério subjetivo: documentos podem ser barrados se considerados capazes de causar “danos tangíveis ou intangíveis” ao Estado.
– Risco de constrangimento diplomático: informações sobre atividades estrangeiras no Brasil podem virar caixa-preta se julgadas embaraçosas para relações internacionais.
Reações
– Especialistas: Bruno Morassutti, da ONG Fiquem Sabendo, alerta que o artigo 29 da portaria “institucionaliza o sigilo eterno”, já que impede acesso por tempo indeterminado.
– Sociedade civil: Juliana Sakai, da Transparência Brasil, vê “grave risco de descontrole” e lembra que a LAI prevê prazos e protocolos claros para classificação.
– Acadêmicos: ANPUH e ABRI afirmam que a medida “inverte o princípio da publicidade como regra e do sigilo como exceção”.
– Parlamentares: a bancada do Novo protocolou um projeto para revogar a portaria, chamando-a de “retrocesso na política de transparência”.
Por que importa
Ao permitir que documentos públicos sejam ocultados sem classificação formal, o governo abre espaço para interpretações discricionárias e fragiliza o controle social. O cidadão perde a capacidade de fiscalizar decisões tomadas em nome do país.
O contraste
Durante a campanha, Lula criticou duramente os sigilos impostos pelo governo Bolsonaro e prometeu transparência. Agora, a portaria do Itamaraty coloca em xeque esse compromisso, reacendendo o debate sobre até onde vai o direito da sociedade de saber o que o Estado faz em seu nome.
O que diz o Itamaraty
Em nota, o ministério defendeu que não criou novas hipóteses de sigilo, apenas regulamentou situações típicas da diplomacia. Segundo a pasta, o objetivo é “dar clareza e segurança jurídica” aos servidores.
2025-12-06 09:00:00



