Com informações da BBC. Coqueiros, águas cristalinas e uma promessa de descanso à beira-mar. Mas por trás das paisagens de cartão-postal, o que se vê é um Brasil onde a ausência do Estado e a impunidade viraram terreno fértil para o avanço do crime organizado. Porto de Galinhas (PE), Pipa (RN) e Jericoacoara (CE) — três dos principais destinos turísticos do país — vivem hoje sob regras impostas por facções que controlam o tráfico, aplicam toques de recolher, instalam câmeras, julgam e executam com tribunais paralelos. E tudo isso, com a conivência do silêncio oficial.
Nas vilas dominadas, a ordem é clara: manter a aparência de paraíso para não espantar turistas. Roubos contra visitantes são vetados pelas próprias facções, mas a população local vive sob ameaça constante. Quem desobedece as ordens, ou tenta escapar das estruturas criminosas, pode acabar degolado a tiros, enterrado em cemitério clandestino ou expulso da comunidade.
A situação escancara um processo avançado de “normalização” da criminalidade em regiões onde o aparato estatal virou mera ficção. Em vez de Estado de Direito, o que vale são os códigos do crime. E não é de hoje: as facções não apenas se mantêm nesses territórios, como ampliam seus lucros abastecidos pela alta temporada, festas, drogas sintéticas e um fluxo constante de dinheiro sem fiscalização efetiva.
Porto de Galinhas, Pipa e Jericoacoara estão na mira
Em Porto de Galinhas, o grupo conhecido como Trem Bala (hoje Comando do Litoral Sul) já chegou ao ponto de ordenar toques de recolher após ações policiais. Quem vive nas comunidades próximas às praias precisa baixar o vidro do carro para entrar e sair, sob vigilância de câmeras instaladas pelo próprio tráfico. Até agentes públicos precisam se identificar. A polícia, quando age, desmantela um grupo e entrega o território ao grupo rival. Resultado: o domínio se perpetua.
Já em Pipa, a organização beira o corporativo. Vapores, olheiros e gerentes com funções bem definidas, escalas de plantão e, claro, pagamento ao “sindicato” para atuar. O tráfico funciona em sistema empresarial, com estrutura que falta ao próprio Estado. A “lojinha” de drogas no centro da vila funcionava abertamente até ser desativada após uma operação. Mas a reestruturação do grupo criminoso veio dias depois.
Em Jericoacoara, o Comando Vermelho mantém o controle com ares de aparente tranquilidade. O silêncio é imposto não apenas por medo, mas por conveniência de quem depende da máquina turística. Até mesmo assassinatos de moradores e turistas — como o do jovem de 16 anos morto por engano em 2024 — são tratados como acidentes para não prejudicar a imagem da vila. A ordem é: mantenha o fluxo de visitantes, mesmo que a paz seja uma farsa.
Enquanto isso, governadores evitam confrontar o problema de frente, e autoridades locais recorrem a notas evasivas dizendo “monitorar a presença” de grupos criminosos. O resultado dessa negligência? Facções cada vez mais poderosas, com códigos próprios, carteiras de clientes abastados e domínio total sobre comunidades inteiras, onde só se entra com autorização do tráfico e se vive sob suas leis.
No Brasil onde o crime se profissionaliza e o Estado se omite, não é o criminoso quem foge da lei é a lei que foge do criminoso.
2025-07-29 08:34:00