Estudo da PM do Rio mostra que mais da metade dos presos com fuzis entre 2020 e 2023 já tinha retornado às ruas este ano – Agência de Notícias

O traficante conhecido como Rugal, por exemplo, foi solto três meses depois de ser preso em flagrante portando um fuzil no Campinho, Zona Oeste do Rio. Foto: Reprodução Com informações do O Globo. Era por volta das dez horas da



O traficante conhecido como Rugal, por exemplo, foi solto três meses depois de ser preso em flagrante portando um fuzil no Campinho, Zona Oeste do Rio. Foto: Reprodução

Com informações do O Globo. Era por volta das dez horas da manhã quando, há dois anos, estudantes de uma escola pública precisaram se abrigar no corredor durante um tiroteio no Campinho, na Zona Oeste do Rio. Uma foto que circulou na época mostrava alunos sentados ou deitados no chão, tentando se proteger de mais um episódio de violência na comunidade. Naquele dia, a Polícia Militar realizou uma operação e prendeu Igor Gomes Mateus, conhecido como Rugal, apontado como um dos criminosos envolvidos em disputas com o Comando Vermelho (CV). Ele foi baleado e preso em flagrante, portando um fuzil Colt calibre 5,56, um carregador e 16 projéteis.

Na decisão que determinou sua prisão preventiva, a juíza Daniele Lima Piras Barbosa destacou que o acusado tentou impedir a abordagem da polícia disparando contra os agentes, “demonstrando a extrema periculosidade de sua conduta”. Três meses depois, Rugal foi solto por outra decisão judicial em razão do excesso de prazo — quando o trâmite legal demora muito tempo — e, segundo a polícia, fora da prisão, continua atuando como “homem de guerra” do Terceiro Comando Puro (TCP).

Pena de três a seis anos

Outros suspeitos flagrados com fuzil — uma arma com alto poder de destruição — também não ficam muito tempo na cadeia. É o que mostra um estudo da Polícia Militar que analisou o que aconteceu com os acusados armados que deteve entre 2020 e 2023 na terceira reportagem da série “Gatilho da violência”. No início deste ano, 52,21% deles já tinham retornado às ruas.

Atualmente, a pena para quem possui ou porta arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito é de três a seis anos de prisão. A punição é a mesma independentemente de se tratar de um revólver calibre 38 com numeração raspada — que, apesar de ser de uso permitido a cidadãos, é equiparado a arma de uso restrito pela supressão do número de série —, de uma pistola 9mm, de uma metralhadora ou de um fuzil automático.

Advogado e consultor sênior do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani afirma que o Congresso Nacional tem sido ineficaz nos projetos de lei que visam ao aumento da pena para o porte de fuzis:

— No pacote anticrime de 2019, disseram que estavam aumentando a pena para fuzil, mas incluíram o termo “arma de uso proibido” como causa de aumento da pena, o que poderia elevar a pena máxima para 12 anos. Só que, na prática, esse termo não abrange o fuzil. O mesmo aconteceu algumas semanas atrás e, novamente, o projeto menciona armas de uso proibido. Essa categoria é reservada para poucos itens e sem relevância criminal, como armas químicas, minas terrestres e também armas dissimuladas, como, por exemplo, uma caneta-revólver ou uma bengala-espingarda.

Para Langeani, a resistência a aumentar a pena para o porte de fuzil é uma forma de proteger CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) flagrados portando arma fora do trajeto permitido — de casa para o clube de tiro. De maio de 2019 a dezembro de 2022, CACs adquiriram 30.895 fuzis no país. O advogado também ressalta que, apesar dos problemas na legislação, a qualidade do trabalho da polícia é essencial para garantir condenações.

Para enfrentar o poder de fogo dos bandidos, além do endurecimento das penas, especialistas sugerem o combate à corrupção policial e o controle do arsenal dos órgãos públicos. O promotor Fábio Corrêa, coordenador do Grupo de Atuação Especial em Segurança Pública (Gaesp), do Ministério Público do Rio, diz que o desvio de armas por maus policiais ajuda a alimentar o crime organizado. Em maio, dois PMs foram presos sob a acusação de comercializarem armas apreendidas em operações.

— A corrupção é uma condição de existência e sobrevivência das organizações criminosas. É essencial registrar as apreensões de forma imediata, garantir a guarda adequada e fiscalizar os depósitos. O combate também passa por corregedorias fortalecidas e estruturadas, investigações independentes e controle externo eficaz — afirma o promotor.

Bruno Langeani diz ainda que é preciso agilizar a destruição de armas confiscadas, para evitar desvios. Só no passado foram apreendidos 725 fuzis no estado:

— É preciso garantir que o Estado não seja, mesmo que por omissão, fonte de rearmamento do crime.

Munição sem controle

De acordo com o Exército, no ano passado, armamentos apreendidos foram destruídos em três operações. O número de armas não foi informado.

Michelle dos Ramos, diretora de ensino e pesquisa do Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirma que também é hora de discutir mudanças na legislação sobre a venda de munição no Brasil:

— Somente a munição comercializada para os órgãos de segurança tem marcação individual. A vendida ao cidadão comum não tem esse controle, dificultando o trabalho investigativo das polícias.

Para o secretário de Polícia Militar, coronel Marcelo de Menezes Nogueira, a polícia está fazendo um retrabalho constante para prender criminosos com fuzis.

— Há um descompasso entre a legislação e o que a realidade impõe em termos de punibilidade para quem porta uma arma com tamanho poder lesivo, com tanta capacidade destrutiva como um fuzil — afirma.

A Polícia Civil do Rio elaborou um projeto de lei para endurecer a pena para quem é preso com fuzil.

— Propusemos que criminosos flagrados nessa situação respondam por associação para o tráfico e também pelo porte de arma de fogo de uso restrito. Também sugerimos que o crime tenha a mesma pena do tráfico internacional de armas, que varia de 16 a 24 anos — explica o secretário de Polícia Civil, Felipe Curi.

Conflitos na Zona Norte

A Polícia Militar apreendeu sete fuzis, duas pistolas e 11 granadas, além de ter prendido 14 suspeitos, em operações nas favelas da Primavera, em Cavalcante, e da Serrinha, em Madureira, no Complexo da Pedreira, em Costa Barros, e na Vila Norma, em São João de Meriti.

— Essas operações representam um esforço estratégico e diário da Polícia Militar para enfraquecer e combater organizações criminosas que promovem violência e ameaçam a rotina da população. Neste ano, somente os policiais militares já apreenderam mais de 360 fuzis, utilizados por criminosos para dominar territórios e aterrorizar a sociedade — afirmou o secretário de Estado de Polícia Militar, coronel Marcelo de Menezes Nogueira.

No Morro dos Macacos, em Vila Isabel, onde o Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro disputam o território há anos, a guerra se intensificou nos últimos dias. Ontem, houve nova troca de tiros, e nove escolas fecharam as portas. O atendimento numa clínica da família também foi prejudicado.

Na última sexta-feira, o Batalhão de Operações Policiais (Bope) fez uma operação na favela. Moradores relataram que foram “horas” de tiroteio. No conflito travado pelos dois lados armados com fuzis, o traficante Pedro Paulo Lucas Adriano do Nascimento, o Titauro, que seria um dos chefes do Comando Vermelho na região, foi baleado e morreu. Cerca de 12 horas depois, novos confrontos voltaram a assustar a população. Uma equipe da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade foi atacada por traficantes, mas desta vez não houve prisões ou feridos.

No Complexo da Pedreira, equipes do 41º BPM (Irajá) apreenderam cinco fuzis, uma pistola e uma granada. Um ônibus foi sequestrado e atravessado na pista para impedir o avanço dos policiais. O intenso tiroteio levou ao fechamento de 11 escolas públicas e de três unidades de saúde. O Rio Ônibus, sindicato que reúne as empresas, informou que este ano 68 coletivos foram roubados para serem usados como barricadas.

Na Serrinha, em Madureira, um suspeito foi baleado e levado para o Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, mas não resistiu. Policiais do Batalhão de Choque apreenderam dez granadas de fabricação caseira e certa quantidade de droga não contabilizada. Em outro ponto, o Batalhão de Ação com Cães encontrou 17 tabletes de drogas, com apoio dos cães farejadores.

No mesmo horário, policiais do 9º BPM (Rocha Miranda) fizeram uma operação na comunidade da Primavera, em Cavalcante, vizinha à Serrinha. De acordo com a PM, o policiamento foi reforçado na região, onde moradores contam que os tiroteios e as balas traçantes se tornaram uma rotina.



Conteúdo Original

2025-07-15 10:57:00

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