roubo na Biblioteca Mário de Andrade acende alerta sobre riscos em museus

‘Só queriam as obras de arte’: Vigia rendida por assaltante conta detalhes do roubo na biblioteca Matisse e Portinari: séries roubadas em São Paulo são marcos do modernismo brasileiro e mundial O caso, que mobilizou a polícia da capital e


  • ‘Só queriam as obras de arte’: Vigia rendida por assaltante conta detalhes do roubo na biblioteca
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O caso, que mobilizou a polícia da capital e levou à prisão, até o momento, de um dos suspeitos, Felipe dos Santos Fernandes Quadra, de 31 anos, alerta para os riscos a que museus e centros culturais estão expostos e as medidas necessárias para evitá-los.

A própria Biblioteca Mário de Andrade foi alvo do roubo de gravuras no passado. Em junho de 2024, a Polícia Federal anunciou a recuperação de obras raras furtadas da instituição em 2008, entre elas ilustrações do livro “Souvenirs de Rio de Janeiro” (1836), do suíço Johann Jacob Steinmann. Em 2006, o mesmo exemplar de “Jazz” que teve parte das pranchas extraídas agora foi encontrado na Argentina. A publicação, que teria sido levada por um funcionário aproveitando obras no local, foi mandada para o Brasil em 2011, e enviada para perícia no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) pelo delegado responsável pelo caso, Fábio Scliar.

Carro de polícia em frente à Biblioteca Mário de Andrade, no sábado, após denúncia do roubo — Foto: Nelson Almeida / AFP

O livro só voltaria à instituição paulistana anos depois, sob a gestão de um novo diretor, o curador e professor da USP Luiz Armando Bagolin. Ao assumir o cargo, em 2013, ele soube que a perícia havia identificado o exemplar de “Jazz” como de propriedade da BMA, mas, ao ser contactada pela PF, a instituição negou a perda, alegando que o livro estava em sua posse. Um mandado de segurança foi expedido para apreender o álbum em São Paulo e levá-lo para o MNBA, onde a perícia constatou se tratar de uma falsificação.

— Me reuni com o delegado no Rio e ele disse que não poderia autorizar a devolução enquanto não fosse provado haver condições de segurança no local. Dei razão a ele e fui buscar recursos para fazer as mudanças — diz Bagolin, que ficou à frente da BMA até 2016. — Não tinha circuito de vídeo nem sensor de presença. As salas onde guardavam as obras eram trancadas com cadeados comuns, trocamos por portas com sensor eletrônico, em que o funcionário é identificado ao usar sua senha para acessar. Em agosto de 2015 pude ir ao Rio buscar o álbum.

Dupla anda pelo centro de SP com obras roubadas de biblioteca

Dupla anda pelo centro de SP com obras roubadas de biblioteca

valor histórico e a raridade das obras estão entre os parâmetros para seu valor de mercado. “Jazz” é considerado um dos mais importantes livros de artista lançados no século XX, um marco na técnica de découpage (recortes de papel), desenvolvida por Matisse para continuar trabalhando após problemas de saúde o impedirem de pintar de pé. Em abril, o livro foi o destaque do leilão de “Gravuras e múltiplos” da Christie’s, arrematada por US$ 504 mil (R$ 2,7 milhões), 68% acima da estimativa mínima, de US$ 300 mil.

Gravura de Portinari da série 'Menino  de engenho', que estava entre obras roubadas — Foto: Divulgação/Projeto Portinari
Gravura de Portinari da série ‘Menino de engenho’, que estava entre obras roubadas — Foto: Divulgação/Projeto Portinari

As gravuras de Portinari foram criadas para a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, projeto editorial de luxo fundado nos anos 1940 pelo industrial e mecenas Raymundo de Castro Maya. A proposta era editar obras ilustradas por grandes artistas nacionais: além de “Menino de engenho”, Portinari assinou as imagens de “O alienista” e “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis.

— Zé Lins do Rego e meu pai foram muito amigos. A minha mãe fazia umas macarronadas que viravam a noite, e muitos escritores frequentavam, como ele, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Drummond, Jorge Amado — conta João Candido Portinari, filho do modernista e idealizador do projeto que leva o nome do pai.

Gravuras assinadas por Portinari variam entre R$ 30 mil e R$ 50 mil, segundo avaliação do galerista e leiloeiro James Acácio Lisboa, filho de James Lisboa, um dos nomes de referência dos pregões de arte.

— Esses valores são de obras com procedência. Da forma como elas foram levadas, não tem mercado no Brasil. Chegando a lugares como China, Rússia, o controle é mais difícil. Mas, mesmo lá, não sei se alguém compraria as gravuras soltas — comenta Lisboa, diretor da paulistana Galeria Frente. — Me parece uma coisa mais amadora, de levarem para depois ver o que conseguiriam com as obras. Não acredito que foi a mando de um colecionador, por exemplo.

Bagolin crê na mesma possibilidade e lamenta o novo roubo dez anos depois do exemplar de “Jazz” ter sido recuperado pela instituição.

— Ao ver na mídia pensei até que era sobre o roubo anterior. Quando entendi que levaram partes do “Jazz”, me senti até mal. Sou hipertenso, tive até que tomar um remédio extra para a pressão — relata o ex-diretor. — Difícil ver ladrões pés-rapados aproveitarem que a sala só tinha uma vigilante, sem reforço no policiamento lá fora, e saírem com as pranchas debaixo do braço. Nenhum lugar do mundo é cem por cento seguro, acabamos de ver o Louvre roubado daquele jeito, mas é preciso cobrir todas as possibilidades.

A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do município, à qual a Biblioteca Mário de Andrade é subordinada, enviou nota na noite desta quarta-feira (10) informando que a exposição “estava integralmente coberta por um seguro do tipo All Risks, a modalidade de maior nível de proteção disponível no mercado, contratado após criteriosa avaliação das condições de segurança do espaço expositivo”. “A Biblioteca conta com equipe de vigilância e sistema de câmeras, cujas imagens já foram encaminhadas às autoridades responsáveis pela investigação. As obras expostas também estavam protegidas por cabos de aço. Além disso, a biblioteca dispõe de um sistema de segurança estruturado e monitoramento ininterrupto, contando com 84 vigilantes distribuídos entre o prédio-sede e a Hemeroteca, além de 24 câmeras em operação”, detalha o comunicado.

Sobre a segurança no local, a nota destaca que “a Biblioteca dispõe de um sistema de segurança estruturado e monitoramento ininterrupto, contando com 84 vigilantes distribuídos entre o prédio-sede e a Hemeroteca, além de 24 câmeras em operação. A Secretaria Municipal de Segurança Urbana informa que a Guarda Civil Metropolitana (GCM) realiza patrulhamento diário para proteção do prédio da Biblioteca Mário de Andrade. O esquema é feito com rondas ao longo de todo o dia e a permanência ostensiva e temporária de viatura e agentes em diferentes períodos nas imediações do equipamento, o que foi feito no domingo (7). Diante do ocorrido, o patrulhamento foi reforçado de forma permanente. Duas viaturas, cada uma com dois agentes, seguirão responsáveis pela vigilância contínua do perímetro da Biblioteca”. A reportagem não conseguiu entrevistar o diretor da BMA, Rodrigo Massi, até a publicação desse texto.



Conteúdo Original

2025-12-11 03:30:00

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