Uma investigação da Polícia Civil revelou que a criação de um aplicativo usado para controlar o transporte alternativo e arrecadar recursos para o Comando Vermelho (CV) é resultado de uma reunião estratégica realizada no começo deste ano entre líderes das facções rivais CV e Amigos dos Amigos (ADA). O encontro marcou o início de uma articulação que visava fortalecer o tráfico e ampliar o domínio territorial nas comunidades da Zona Oeste e da Rocinha, na Zona Sul do Rio.
- Chefe do tráfico da Vila Kennedy ordenou criação de app que financiava o CV e seria ampliado para Rocinha com o apoio da ADA
Segundo a investigação da 34ª DP (Bangu), a videoconferência contou com a participação de Edgar Alves de Andrade, o Doca, integrante da cúpula do CV e Celso Luís Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém, chefe da ADA. No entanto, a autorização para que o app começasse a ser utilizado por mototaxistas nas comunidades partiu de Jorge Alexandre Cândido Maria, o Sombra, líder do CV na Vila Kennedy,
Durante o encontro, ainda de acordo com a polícia, ficou acertado que o CV utilizaria territórios controlados pela ADA — como Vila Vintém, em Padre Miguel, e Vila Sapê, em Curicica — para expandir suas operações, especialmente em Santa Cruz. Em troca, o grupo de Celsinho receberia reforço armado e parte dos lucros gerados pelas atividades ilícitas, incluindo a exploração do transporte por meio do aplicativo.
Foi nesta negociação, realizada no início do ano, que foi autorizada a criação do app, que funcionou por cerca de três meses e estava ativo em comunidades ligadas ao CV e ADA, com a intenção de ampliar para outras regiões da Zona Oeste e para a Rocinha. Cerca de 300 mototaxistas chegaram a se cadastrar no sistema, todos coagidos a usá-lo exclusivamente.
Moradores eram coagidos a baixar o app
Segundo a investigação da Operação Somba, deflagrada nesta sexta-feira, os motoristas eram obrigados a baixar o aplicativo Rotax Mobili no aparelho celular, disponível nas lojas Google Play e Apple Store. Pelo menos 300 mototaxistas foram coagidos a instalar o app desenvolvido pela facção que funcionou por 3 meses. Estima-se que o uso da ferramenta do CV poderia gerar um lucro de R$ 1 milhão para a facção.
Plataformas oficiais, como a Uber e a 99, eram proibidas de operar na região — moradores, sem opção, acabavam baixando o app.
O delegado Alexandre Netto, titular da 34ª DP, explicou que o aplicativo era uma fonte significativa de arrecadação para a facção:
— Esse aplicativo funcionava com um sistema financeiro via Pix e era vinculado a empresas de fachada. Os mototaxistas eram obrigados a pagar uma taxa mensal e repassar de 20% a 30% do valor de cada corrida para a chamada caixinha do tráfico.
A operação Rota das Sombras cumpriu sete mandados de prisão e 12 de busca e apreensão, resultando na prisão de quatro pessoas, entre empresários e desenvolvedores do sistema. Foram apreendidos cerca de R$ 300 mil em dinheiro, joias e carros de luxo.
Celsinho, que deixou a prisão em 2022 após cumprir 25 anos, voltou a ser preso e se tornou réu por tráfico de drogas e associação para o tráfico, com prisão preventiva decretada pela Justiça. Além dele, Doca também tem prisão decretada e está foragido.
Para o delegado Netto, a aliança entre CV e ADA vai além do tráfico, abrangendo todas as frentes criminosas da região, incluindo o controle do transporte:
— O nome da operação Rota das Sombras reflete que não se trata apenas de uma questão financeira, mas de um controle da mobilidade urbana, definindo quem pode entrar e sair e para onde — afirmou.
Ele ainda destacou a responsabilidade dos empresários envolvidos:
— No momento em que um empresário aceita participar de uma organização criminosa para atividades ilícitas, ele se torna parte do tráfico, independentemente de sua qualificação técnica.
O aplicativo já foi retirado das lojas Google Play e Apple Store, encerrando seu funcionamento oficialmente.
2025-08-09 08:00:00