Relator da PEC da Segurança Pública na Câmara, o deputado federal Mendonça Filho (União-PE) afirmou em entrevista ao GLOBO que pretende entregar um texto final mais “descentralizador” e “ousado” para ser aprovado no Congresso Nacional. Na visão dele, isso significa impedir que o governo federal “imponha” políticas de segurança aos Estados e “relativizar o garantismo” da Constituição em relação a chefes de organizações criminosas.
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Mendonça Filho também revelou que pretende incluir os auditores da Receita Federal como “força adicional” dos órgãos de segurança pública para auxiliar no combate ao crime organizado. Com a experiência de já ter sido governador de Pernambuco e ex-ministro da Educação, ele recebeu a missão do presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), de viabilizar politicamente a proposta idealizada pelo ministro da Justiça Ricardo Lewandowski.
Quais sugestões o senhor recebeu nos últimos dias e pretende incluir na PEC da Segurança?
No meu relatório, eu quero trazer a Receita Federal. Esta é uma novidade. Foi uma demanda trazida a mim pelo Ministério da Fazenda, pelo próprio ministro (Fernando) Haddad e o secretário (Robinson) Barreirinhas. A Receita teria competência subsidiária no combate ao crime organizado, tendo em vista que os crimes são cada vez mais financeiros e estão penetrando em segmentos empresariais relevantes.
Mas como a Receita entraria na PEC?
Ela será incorporada ao texto. Estou antecipando um convencimento do relator de que a Receita tem que figurar como uma força subsidiária no combate ao crime, compondo como uma força adicional na estrutura da segurança pública no Brasil. Foi ele (Haddad) que sugeriu a partir da experiência da Operação Carbono Oculto. Isso já é uma prática bastante comum no exterior.
Com base nas ideias previstas no plano de trabalho, o senhor acha que integrantes de facções devem ter menos direitos do que os outros cidadãos?
Na escalada que o Brasil vive, se a Constituição permanecer no mesmo nível de garantismo, o crime vai continuar escalando. Eu sei que as garantias fundamentais são cláusulas pétreas, mas é preciso estabelecer parâmetros para que esses direitos não impeçam o combate ao crime organizado. Então, é necessário relativizar e ponderar as garantias fundamentais para as facções que se assemelham a organizações terroristas e verdadeiras máfias.
Quais seria essas medidas de “flexibilização” do garantismo?
Primeiro, é preciso ter o perdimento de bens e ativos do crime organizado de forma rápida e sumária. Segundo, o peso das penas não pode ser o mesmo para todos. É ridículo a progressão de regime no Brasil. No crime de homicídio, você costuma progredir 16%. Não dá, isso é uma coisa que fomenta a impunidade e revolta a população. O custo benefício do crime no Brasil ainda é muito barato. Terceiro, precisamos ter regimes diferenciados para facções criminosas com maior firmeza e dureza.
Por que a aprovação da PEC é cada vez mais urgente para o país?
Temos o contexto de uma pesquisa de Cambridge que indica que 26% da população, ou 50 milhões de pessoas, vivem sob a influência de facções criminosas. Isso mostra, lamentavelmente, que o Brasil está perdendo a guerra para crime e caminhamos de forma célere para se tornar um Estado que pode ser caracterizado como narcoestado.
O senhor acha que a PEC é suficiente para reverter esse quadro?
Eu sempre digo que é insuficiente. Mas a PEC tem um mérito: ela abriu o debate no Parlamento para discutir o tema da violência e da segurança pública. O meu propósito como relator é ousar. Ousadia faz parte da minha trajetória pública.
O que mais pretende mudar?
Eu entendo que cada um tem uma visão de mundo. Eu tenho a convicção de que um país, com as dimensões do nosso e o federalismo na sua essência, não pode prescindir da descentralização.
O senhor já tirou um trecho que aumenta o papel da União. Como descentralizar ainda mais a PEC?
Não estou pregando que cada Estado tenha sua lei penal, mas os Estados não podem estar subordinados a regras impostas por Brasília ou por um Conselho que possa até tirar a competência exclusiva do Parlamento. Você precisa empoderar e cooperar para que o enfrentamento ao crime seja mais efetivo e tenha mais consequência prática, mudando a legislação e o arcabouço constitucional e infralegal.
O que o senhor tem feito para amenizar as brigas entre corporações e a disputa ideológica que permeiam a PEC?
A PEC não pode só ter a visão do relator. Ela tem que ser a média do pensamento da comissão e ter viabilidade de aprovação com 60% dos votos na Câmara e no Senado. Então, a missão é construir algo relevante, consistente e ao mesmo tempo com condições políticas de receber apoio do governo, sociedade e operadores da área segurança. Eu tenho dito que a PEC costuma ser vista como uma briga de campo ideológica ou uma disputa de corporações. A grande leitura tem que ser a partir da sociedade que está desprotegida, não tem tranquilidade e se sente abandonada pelo Estado.
Um dos pleitos principais da Polícia Militar é a prerrogativa de fazer o ciclo completo (da prevenção e policiamento ostensivo à investigação criminal). O senhor concorda com essa tese?
Essa é uma tese muito polêmica. Não creio que teremos espaço político para viabilizá-la. Dezessete estados brasileiros já praticam isso por meio de TCOs (termo circunstanciado de ocorrência). Mas acho que cabe oferecer isso para crimes de menor intensidade. Eu não quero entrar na briga entre Polícias Civil e Militar, mas eu tenho a obrigação como legislador de facilitar a vida do cidadão. Num crime menor, ele não precisaria ir para uma delegacia. É preciso dar celeridade para esse tipo de delito e simplificar os procedimentos para que isso não seja um fator de obstrução. E que as pessoas possam ser punidas de forma mais facilitada e não abrir um inquérito para apurar cada roubo comum numa via pública.
O senhor pretende colocar isso no texto da PEC?
Sim, não falo em ciclo completo para a Polícia Militar, mas o início de um ciclo para os crimes de menor potencial ofensivo é perfeitamente possível.
O senhor demonstra ter uma visão diferente do ministro Lewandowski, autor da PEC. Como estão as conversas com ele?
Eu tenho um diálogo com ele muito aberto e franco e o respeito como magistrado que atuou na Suprema Corte. O diálogo é sempre bem-vindo, eu não sou o dono da verdade e nem ele. Eu não vou fazer da PEC da Segurança Pública uma oportunidade para a luta política.
Lewandowski disse que era a favor de um texto mais enxuto e que essas medidas anti-crime deveriam ser votados como projeto de lei. O senhor discorda dessa ideia?
Algumas coisas dependem de princípios constitucionais, como a progressão de pena. Com todo o respeito ao ministro Lewandowski, eu acho que a escalada do crime organizado no Brasil não nos permite, a mim e a ele, ter uma posição tímida.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, fez alguma sugestão ao texto? Qual?
A única demanda que o presidente Hugo me fez é que eu pudesse ousar no texto e oferecer algo consistente e relevante, tendo em vista esse clamor social em favor de políticas públicas que garantam mais segurança, que revertam o quadro crescente de dominância do crime organizado na sociedade brasileira.
Vocês vão conseguir votar a PEC até o fim do ano?
Estamos trabalhando com um prazo até o fim deste ano. Se não acontecer, contamos que a votação seja pelo menos no início do próprio ano. Desse calendário espero que não passe.
2025-10-20 03:31:00