Quem é ‘Hemedti’, o senhor da guerra à frente de milícia que trava um violento conflito civil no Sudão desde 2023

Três anos de conflito: Sudão examina proposta de trégua dos EUA enquanto milhares de pessoas enfrentam fuga e fome após massacre ‘Parece o apocalipse’: Massacre segue no Sudão, mostram satélites, e líderes europeus reagem Nascido em uma família humilde perto


  • Três anos de conflito: Sudão examina proposta de trégua dos EUA enquanto milhares de pessoas enfrentam fuga e fome após massacre
  • ‘Parece o apocalipse’: Massacre segue no Sudão, mostram satélites, e líderes europeus reagem

Nascido em uma família humilde perto da fronteira com o Chade, Mohamed Hamdan Dagalo, mais conhecido como “Hemedti”, se mudou com seus parentes para Darfur, a conflagrada região sudanesa, onde começou a trabalhar com o comércio. Uma das histórias a ele atribuída conta que, certa vez, homens armados atacaram um de seus representantes em Darfur, levando todos os seus camelos e matando 60 membros de sua família.

A alegação jamais foi confirmada de maneira independente, mas ajudou a criar a narrativa em torno do comerciante que se juntou à milícia Janjaweed — um conglomerado de grupos armados tribais — no início do Século XXI, em ataques contra minorias não árabes em Darfur. Uma das unidades mais brutais era comandada por seu tio, Juma Dagolo.

Homens das RSF detém o combatente conhecido como Abu Lulu, acusado de execuções em El-Fasher, na região de Darfur, no oeste do Sudão — Foto: Forças de Apoio Rápido do Sudão (RSF) via AFP

A violência evoluiu para um conflito sangrento entre 2003 e 2008, realizado sob mando do então ditador sudanês, Omar al-Bashir, deixando mais de 200 mil mortes, e classificado pelas Nações Unidas como um genocídio: Bashir foi condenado por um tribunal especial em Haia, mas segue em uma prisão em Cartum, e não há sinais de que as autoridades pretendam extraditá-lo para a Holanda.

Na ocasião das denúncias, Hemedti escapou por ser considerado um comandante com pouco poder, apesar das evidências de sua participação em massacres de civis. Ao mesmo tempo, conseguiu navegar com destreza pelos complexos caminhos políticos e militares da Era Bashir. Do então ditador, ganhou poderes e a patente de tenente-general para liderar milícias ao redor do Sudão, especialmente em Darfur, além do controle de lucrativas minas de ouro em Darfur, capturadas de um líder tribal rival. Na década passada, se tornou o maior exportador do metal do país.

— À medida que Hemedti ascendeu na carreira, seus próprios interesses comerciais cresceram com a ajuda de Bashir, e sua família expandiu seus investimentos em mineração de ouro, pecuária e infraestrutura — disse Adel Abdel Ghafar, diretor do Programa de Política Externa e Segurança do Conselho do Oriente Médio para Assuntos Globais, à rede al-Jazeera.

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Em 2013, um novo presente de Bashir: a permissão para criar uma nova milícia, as RSF, que responderiam diretamente ao ditador, agregando a maior parte das unidades dos Janjaweed e contando com tropas, equipamentos e armas do Exército regular.

Na ocasião, as RSF atuaram no controle da imigração rumo à Europa e lutaram como mercenários em outros países, como no Iêmen, pagos por Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. No dia em que Hemedti estava em Moscou para firmar um outro acordo, com o Grupo Wagner, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, em 2022, e o acerto não foi finalizado.

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Bashir, que apelidou Hemedti de “meu protetor”, acreditava que as RSF lhe dariam proteção contra ameaças golpistas vindas de dentro do governo ou, principalmente, das Forças Armadas. Mas pareceu se esquecer de um velho ditado sudanês: “uma cobra jamais morre por causa de seu próprio veneno”.

Em 2019, em meio a protestos de oposição nas ruas, ele ordenou a seus generais que atirassem contra a multidão, mas acabou deposto em um golpe que teve Hemedti entre seus protagonistas, em meio a promessas de entregar o poder ao povo. Mas o conselho militar responsável pela transição de poder decidiu atrasar o processo de redemocratização, e as RSF massacraram, ao lado de outras forças de segurança, mais de 100 civis em um protesto. Em 2021, um novo golpe (também com a participação de Hemedti) derrubou um governo formado por civis e militares.

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Enquanto tentava construir a imagem de líder internacional e sua rede de apoios entre monarquias do Golfo, as diferenças com o líder de fato do Sudão, Abdel Fattah al-Burhan, comandante do Exército, se intensificaram. Em 2023, Burhan ordenou que as RSF passassem a responder a ele. Hemedti se negou, e em abril daquele ano cercou bases e o palácio do governo em uma tentativa fracassada de golpe.

Foi o primeiro movimento da nova guerra, mais uma vez marcada por graves violações dos direitos humanos, massacres e atrocidades contra civis, cometidos por dois beligerantes fortemente armados. Segundo estimativas, 150 mil pessoas morreram, mais de 13 milhões fugiram de casa e 51 milhões precisam de ajuda para sobreviver. Segundo denúncias do Exército, 2 mil civis foram mortos em el-Fasher, e imagens de satélite apontam para indícios de execuções em massa.

— Esta é uma crise provocada pelo homem, impulsionada pelo conflito, não pela seca, inundações ou terremotos, e devido à obstrução do acesso à assistência humanitária pelas partes envolvidas no conflito — disse Shaun Hugues, coordenador regional de Emergências do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU, em abril. — Dezenas de milhares de pessoas morrerão no Sudão durante o terceiro ano de guerra, a menos que tenhamos acesso e recursos para alcançar aqueles que precisam de ajuda.



Conteúdo Original

2025-11-05 00:01:00

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