É paisagem corriqueira nas metrópoles brasileiras o impressionante emaranhado de fios pendendo dos postes, grande parte puxando energia da rede sem pagar e gerando riscos para a segurança. São inúmeros os “gatos”, apelido popular dos furtos de energia. Pode parecer problema menor, diante de tantas outras mazelas. Mas não é. Um relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostrou que perdas não técnicas — causadas por furtos, fraudes ou erros operacionais — impuseram prejuízo de R$ 10,3 bilhões ao setor de distribuição no ano passado. Esse valor representa quase o custo previsto do programa federal Pé-de-Meia (R$ 12 bilhões), incentivo à permanência de alunos no ensino médio.
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Pelos dados da Aneel, o problema está concentrado. Apenas duas concessionárias — Light, no Rio de Janeiro, e Amazonas Energia — respondem por mais de um terço dessas perdas (34,1%). Elas ocorrem sobretudo na rede de baixa tensão, onde o controle é mais difícil. Contribuem para a distorção ligações clandestinas, adulterações em medidores, desvios da rede e falhas na medição ou no faturamento.
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A Aneel não aplica penalidade às concessionárias quando metas de redução de perdas não são alcançadas, mas limita o repasse desses valores às tarifas. Portanto as empresas que não conseguem controlá-las absorvem prejuízo. A ideia é que isso funcione como incentivo para que invistam em medidas de combate às fraudes. Mesmo assim, a conta sobra para o consumidor, uma vez que as perdas em níveis considerados “eficientes” são incorporadas às tarifas.
No caso dos “gatos”, parece evidente que a solução não depende só do setor de energia. Trata-se de um caso de polícia, e como tal deve ser encarado. De acordo com o artigo 155 do Código Penal, constitui crime “subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel” — “equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”. A pena prevista é de um a quatro anos de reclusão e multa.
Não é, sem dúvida, questão simples de resolver. Em geral, funcionários de concessionárias não conseguem entrar em áreas conflagradas nem para fazer reparos, quanto mais para desfazer conexões ilegais. A própria polícia encontra dificuldades nas incursões, pois os bandidos costumam erguer barricadas nas comunidades. Territórios são controlados por organizações criminosas que impõem ali suas próprias leis. Furtam energia, sinal de TV, internet, depois cobram taxas dos moradores pelos serviços ilegais. O achaque é hoje uma das principais fontes de renda tanto das quadrilhas de traficantes quanto de milicianos.
Mas não se pode ter leniência com o crime, porque direta ou indiretamente quem acaba punido é o consumidor, obrigado a pagar mais pelo serviço. As autoridades de segurança têm o dever de coibir furtos de energia, até porque eles ajudam as quadrilhas a se capitalizar. Não fazer nada ou tratar o problema como algo menor só estimula a proliferação dos “gatos”.
2025-06-18 00:09:00