Conhecida por amigos como “sonhadora e uma profissional incansável”, a cozinheira Danielly Rocha, de 37 anos, era uma mulher trans e via na cozinha uma poderosa ferramenta de transformação social. Danny, como era chamada pelos colegas, foi encontrada morta na madrugada do último sábado, na Lapa, no Centro do Rio. Conforme a Polícia Civil, seu corpo estava sem lesões aparentes, no corredor do prédio onde morava, na Rua do Riachuelo.
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Testemunhas relataram que ela havia chegado em casa acompanhada de um homem, que não foi identificado. Amigos organizam uma vaquinha online para viabilizar o traslado do corpo da cozinheira, que permanece no Instituto Médico-Legal (IML), para ser sepultado no Pará, seu estado natal.
— Ela morreu cinco dias antes de fazer aniversário. Ela era uma menina alegre, sempre evolvida e engajada com os projetos. Viu na cozinha um meio de se sustentar e fazia com muito amor — disse o amigo Gabriel Van, de 36 anos, que conheceu Danny por meio de um projeto social.
Segundo a Polícia Civil, Danielly Rocha foi encontrada morta sem lesões aparentes, motivo pelo qual o caso não foi encaminhado à Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). A 5ª DP (Mem de Sá) aguarda o laudo de necropsia para esclarecer as circunstâncias da morte da cozinheira. O corpo permanece no IML, no Centro do Rio.
‘Danny era como uma mãe para mim’
Para quem conviveu com Danny de perto, como a amiga Manuela Menandro, de 33 anos, ela era mais do que uma colega de casa, era “família, uma mãe escolhida, uma cuidadora incansável e uma mulher forte”. Formada pela ONG Gastromotiva em 2023, Danny atuava como cozinheira em espaços como a CasaNem, centro de acolhimento voltado a comunidade LGBTIAPN+, e no restaurante Surubar.
— A Danny cuidava da CasaNem, sobretudo da cozinha. Ela era responsável tanto pelo bar quanto pela alimentação das pessoas acolhidas. Passávamos por muitas dificuldades. Tinha dia em que não tínhamos dinheiro nem para comprar comida. Mas nunca soltamos a mão uma da outra — conta Manuela, que dividiu o apartamento com Danny nos últimos anos, junto de uma terceira amiga.
Natural de Nova Olinda, bairro de Castanhal, no interior do Pará, Danny será sepultada em sua terra natal. Amigos organizam uma vaquinha online para arrecadar R$ 25 mil e viabilizar o traslado do corpo, que continua no Instituto Médico-Legal (IML). O sepultamento no Pará é um pedido da família, e, para os amigos, um último gesto de amor.
— Ela sempre falava com muita felicidade do Pará, e estava juntando dinheiro para visitar a família em outubro. A família pediu para o corpo ser enterrado lá, mas eles não têm condições de trazer. É muito dinheiro — explicou Gabriel Van.
A trajetória de Danny no Rio começou em 2007, marcada por desafios. Segundo amigos, Danielly Rocha deixou Castanhal, no Pará, em busca de uma nova vida na capital fluminense, onde pudesse ser aceita. Foi na CasaNem, entre 2015 e 2016, que ela conheceu Manuela Menandro, com quem construiria uma profunda amizade e uma vida em comum.
— A Danielle era a pessoa que limpava a casa enquanto eu estava trabalhando. Era quem alimentava os meus animais, quem cozinhava para gente, e ainda preparava a quentinha para levarmos ao trabalho no dia seguinte. Durante praticamente uma década foi com a Danny que convivi, acordei, dormi, vivi todas as dificuldades. É como se ela fosse minha mãe. A minha mãe de sangue conhecia e amava ela. Quando contei para ela por telefone, choramos juntas — contou Manuela, emocionada.
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Comoção nas redes sociais
A causa da morte de Danielly Rocha ainda não foi confirmada pela polícia. No entanto, o caso gerou grande comoção nas redes sociais. A deputada federal Talíria Petrone (PSOL) lamentou a morte da cozinheira trans e afirmou que este é mais um caso de “trans morta” no país, destacando a violência enfrentada pela comunidade trans no Brasil.
Em janeiro deste ano, um dossiê divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) revelou que 122 pessoas trans e travestis foram mortas no Brasil em 2024. O número representa uma leve redução em relação a 2023, quando foram registradas 145 mortes.
A deputada estadual Dani Balbi (PCdoB), ativista das causas LGBTQIAPN+, acompanha de perto o caso de Danny. Nesta segunda-feira, ela estava no IML a espera da liberação do corpo da cozinheira. Segundo ela, a comunidade exige saber quem matou Danny.
— É inaceitável, revoltante e urgente. Queremos saber quem foi o responsável. Cada mulher trans ou travesti assassinada representa uma falha do Estado e um silêncio cúmplice da sociedade. Estou acompanhando o caso de perto e estaremos de olho nas investigações. Meu mandato está junto da família e dos amigos para o que for necessário. Que Danny descanse em paz. Que nosso luto se transforme em justiça — disse a deputada Dani Balbi.
A deputada contou que acionará o Ministério Público do Rio (MP-RJ) e a Secretaria de Segurança Pública estadual para conferir celeridade ao caso.
Segundo a ONG Gastromotiva, a cozinheira deixa um legado de “resistência, solidariedade e afeto por meio da gastronomia”. Em um post no Instagram a ONG publicou que a “sua luta não será esquecida”.
“Sua partida brutal escancara, mais uma vez, a violência que insiste em ceifar vidas trans no Brasil”, diz o texto publicado na rede social.
A CasaNem também lamentou a morte de Danny. Segundo postagem no Instagram, a cozinheira era amiga pessoal de Indianarae Siqueira, fundadora da ONG, e “militante histórica”. “Danny deixará saudades. Mas, em sua memória, vamos seguir lutando. Lutando para que as circunstâncias de sua morte sejam investigadas. Queremos que a Justiça faça seu trabalho e que tudo seja devidamente apurado”, afirma o texto.
2025-05-05 17:51:00