Donizete Guidini transportava 30 toneladas de café por uma estrada rural de São Paulo numa noite de abril quando foi obrigado a parar por um carro cheio de homens armados. Os sequestradores o levaram sob a mira de armas até um posto de gasolina próximo, roubaram o caminhão e a carga e o deixaram vendado em um canavial.
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O Brasil, maior produtor e exportador mundial de café, há muito enfrenta roubos de grãos cometidos tanto por criminosos oportunistas quanto por quadrilhas organizadas. Mas, com os preços da commodity significativamente mais altos do que nos anos anteriores, agricultores e entidades do setor alertam que a safra que vai de fim de maio até setembro pode entrar para a história como o pior período de roubos em anos recentes.
No início de 2025, os preços do grão arábica — geralmente usado em cafés de alta qualidade — atingiram o maior nível já registrado, após várias safras decepcionantes. Embora a pressão tenha diminuído um pouco, os preços acumulados no ano ainda estão quase o dobro da média de 2023.
— O crime é uma atividade econômica. A partir do momento em que você tem uma safra de café de alto valor agregado, ela se torna atrativa para os criminosos — afirma Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo.
Com a colheita em andamento, entidades do setor em regiões produtoras estão adotando novas medidas de proteção e pedindo mais vigilância por parte dos agricultores.
Em abril e maio, pela primeira vez, a Cocapec — cooperativa de cafeicultores de São Paulo — distribuiu panfletos a seus cerca de 3.000 membros, alertando para a necessidade de ações preventivas antes e durante a colheita, como instalação de câmeras, reforço de portões e controle de acesso às áreas de plantio e armazenamento.
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“Não reaja à violência: em caso de roubo, priorize a integridade física de todos os envolvidos”, dizia o boletim da cooperativa.
Em maio, a Cocapec também lançou um seguro gratuito para associados que transportam café de suas propriedades até os armazéns da cooperativa entre 6h e 19h, como camada extra de proteção.
O governo de Minas Gerais — maior estado produtor de café do Brasil — afirma ter “implementado novas medidas para combater o crime rural”, incluindo um modelo de policiamento chamado Campo Seguro, voltado para prevenir crimes sazonais como roubo de café, gado e mudas.
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Alguns episódios parecem saídos de filmes de Hollywood: em junho, assaltantes armados invadiram uma fazenda em Vermelho Novo, Minas Gerais, roubaram 95 sacas de café — avaliadas em cerca de R$ 220 mil — e fizeram trabalhadores reféns. A carga foi posteriormente recuperada pela polícia e nove suspeitos foram presos.
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Outros casos passaram mais despercebidos, como cargas furtadas de armazéns durante a noite ou ladrões colhendo grãos diretamente dos pés. Embora o furto de café verde diretamente dos cafezais dificilmente afete grandes produtores, pode ter grande impacto sobre os agricultores familiares, que formam a maioria do setor.
— Com o café valendo mais de R$ 2.000 ou R$ 2.500 por saca, essa atividade se torna lucrativa — diz Ricardo Schneider, presidente do Centro do Comércio de Café de Minas Gerais.
Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o roubo de cargas em geral caiu no Brasil — de um pico de mais de 25 mil ocorrências em 2017 para cerca de 10 mil no ano passado, o menor número desde o início da série histórica em 2015. Mas essa “queda expressiva” não ocorreu com o café, que teve aumento de roubos nos últimos três anos, segundo Schneider:
— Atribuímos isso ao aumento do preço.
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Especialistas dizem que o café é mais difícil de rastrear do que outros bens frequentemente roubados na zona rural, como gado ou máquinas agrícolas, o que o torna ainda mais atraente para criminosos. As quadrilhas rapidamente distribuem os grãos roubados por redes de compradores já estabelecidas, dificultando a recuperação, mesmo quando há rastreadores nos caminhões.
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Em janeiro, criminosos invadiram o armazém de Alessandra Peloso, premiada produtora de café em Minas Gerais, e roubaram 163 sacas, cada uma com 60 quilos.
— Eles conseguem vender com facilidade — diz ela sobre essas operações. —Vendendo para torrefadoras pequenas, tudo sem nota fiscal, sem pagar imposto.
Para evitar novos roubos, Peloso contratou um vigia noturno, instalou alarmes e sirenes e colocou câmeras “em tudo”.
Um problema a mais para o setor cafeeiro
O aumento dos roubos é apenas mais um problema enfrentado pelo setor cafeeiro brasileiro. Apesar dos preços altos e da forte demanda global, os produtores vêm tendo suas margens de lucro pressionadas nos últimos anos por conta do aumento dos custos com fertilizantes, gargalos logísticos, volatilidade nos preços e desafios climáticos.
A safra do ano passado foi bastante frustrante, prejudicada por calor excessivo e seca, resultando em grãos menores. A atual safra de arábica não parece mais promissora, com o calor e o tempo seco persistindo. A situação é mais favorável no Vietnã, segundo maior produtor mundial, que cultiva majoritariamente a variedade robusta, usada em cafés solúveis.
Ainda assim, nem tudo são más notícias. De volta a São Paulo, a carga roubada de Guidini — avaliada em R$ 1,5 milhão — foi recuperada horas depois em uma propriedade rural próxima ao local do crime, segundo relatos locais. Um homem de 37 anos foi preso e o caso segue em investigação, informaram as autoridades.
— Quando se trata de roubo de carga, s primeiras horas são cruciais — diz Schneider, do Centro do Comércio de Café de Minas.
2025-07-05 04:01:00