Oprah Winfrey humilhou James Frey publicamente. Mas ele está de volta com um romance em torno de swing e assassinato

James Frey foi, por um tempo, um dos escritores de não ficção mais famosos dos Estados Unidos. Até que alguém resolveu checar os fatos. ‘Sem despedidas’: livro de Han Kang, a primeira mulher asiática a receber o Prêmio Nobel de


James Frey foi, por um tempo, um dos escritores de não ficção mais famosos dos Estados Unidos. Até que alguém resolveu checar os fatos.

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Em 2005, Oprah Winfrey selecionou o livro de memórias de Frey, “Um milhão de pedacinhos”, para o seu clube do livro — apenas para descobrir, pouco depois, que ele havia inventado partes da história sobre seu vício em drogas e o período em reabilitação. Oprah o confrontou na TV por trair o público americano, e sua editora ofereceu reembolsos. Frey foi rotulado como vilão, fraude, e se tornou, talvez, o primeiro homem cancelado deste século.

— Eu menti? Menti sim — ele diz. — Mas também escrevi um livro que destruiu as pessoas emocionalmente? Sim.

Hoje, mentiras são contadas com entusiasmo enquanto fatos são distorcidos e apagados na velocidade de toques em telas. Basta rolar um pouco pela rede social X para que o caso Frey pareça coisa de outra era — como uma charrete multada por andar rápido demais.

Na visão de Frey, o público ficou cada vez mais confortável com as falsidades. Só não com ele, que acha tudo isso um pouco absurdo: “Eu só sento no meu castelo e dou risada”.

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Neste mês, Frey tenta um tipo de retorno: está lançando um romance que gira em torno de uma festa de swing e um assassinato. A obra tem cenas de sexo intensas, tramas de ricos e pontuação excêntrica. (Ele acredita que aspas são inautênticas.)

O escritor espera que suas mentiras do passado, à luz do iPhone e da cultura atual, talvez não pareçam mais tão ofensivas quanto antes. Afinal, o público tem reabilitado figuras canceladas por coisas muito piores.

Minhas conversas com Frey foram suas primeiras entrevistas extensas em cerca de 17 anos. Ele falou com arrogância e palavrões, parando apenas para trocar o chiclete de nicotina. Aos 55 anos, tem a cabeça raspada, uma barba grisalha por fazer e três brincos de diamante em cada orelha. Dirige muito rápido pelas ruas dos subúrbios, como descobri quando me levou para dar uma volta em seu Porsche preto vintage, perto de sua casa em New Canaan, Connecticut.

Frey sobreviveu ao vício, ao auge da fama e a uma humilhação pública épica. Ficou sóbrio, se divorciou, criou três filhos e enfrentou a morte de um quarto. Viveu tanto no tumulto glamouroso da cidade quanto nas mansões milionárias dos subúrbios. E tem muito a dizer.

— Durante muito tempo, escritores foram pessoas destemidas, que mostravam à sociedade o que estava errado. Hoje não é mais assim, certo? — questiona. — Os escritores têm medo de serem cancelados. Têm medo de criar algo que incomode. Todo mundo quer um abraço e um Pulitzer. Eu não. Não preciso de nenhum dos dois.

O que ele quer — e acha que merece — é uma segunda chance.

O escritor James Frey — Foto: Eric Tanner/The New York Times

Frey se vê como um inconformista

Quando o mundo se voltou contra ele, a internet ainda era jovem. O Facebook era só para universitários, e o Twitter nem existia. Frey foi cancelado antes que esse termo sequer existisse.

Ele chama isso de tsunami. Repórteres invadiram seu prédio para bater à sua porta. Paparazzi fotografaram sua esposa e bebê. Todos os meios de comunicação possíveis publicaram matérias celebrando a queda do “bad boy” da literatura.

Vinte anos depois, Frey se enxerga como um inconformista e descarta a polêmica com uma série de palavrões.

— Disseram para todos nós sermos educadinhos, bons meninos, fazer faculdade, seguir as regras — diz ele, sentado em sua cadeira Eames de mohair extragrande, feita sob medida para que pudesse sentar em posição de lótus. — Eu não.

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Ele acredita que “Um milhão de pedacinhos” refletia suas experiências pessoais ao mesmo tempo em que buscava verdades mais profundas — como a arte tenta fazer. Quando os fatos eram banais, ele os “melhorava”: a verdade, só que melhor.

— Quando Picasso faz um autorretrato que não é fotorrealista, ele é inválido? — pergunta. — Quando Rembrandt se pinta, ele pode ou não manipular a tinta para se representar da maneira que quiser?

Segundo ele, os relatos do livro eram cerca de 85% verdadeiros. O que, acredita, é o nível de precisão da maioria das memórias escritas. Ele mentiu, diz, como todo escritor de memórias também mente: “E eu paguei por isso.”

Seu novo livro, “Next to Heaven”, uma sátira sexual sobre ricos que transam e cometem assassinatos, já está gerando controvérsia. Críticos na internet questionam se ele usou inteligência artificial para escrevê-lo, citando uma entrevista de 2023 em que falou sobre treinar I.A. para imitar seu estilo.

Frey afirma, com veemência e palavrões, que escreveu cada frase de “Next to Heaven”: “Nenhuma palavra foi escrita com IA”, diz. Quem fala o contrário está mentindo, segundo ele, que admitiu ter usado I.A. em um projeto anterior que abandonou, e ainda recorre à tecnologia para pesquisas — como boa parte da população já faz.

— Não importa o que eu faça, sempre vão arranjar um motivo para vir atrás de mim — afirma.

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Mas Frey nunca desistiu de escrever. Já vendeu milhões de exemplares de seus livros, tanto para adultos quanto para jovens leitores. “Next to Heaven” é sua nova tentativa de ser visto como ele mesmo se vê: um artista que merece estar na prateleira ao lado de escritores rebeldes como Ernest Hemingway e Norman Mailer.

“Next to Heaven” é seu primeiro romance adulto desde “Katerina”, de 2018, outra tentativa de retorno que não vingou. E, se o novo livro não lhe garantir o prestígio literário que deseja, ao menos ele já tem um prêmio de consolação: vendeu os direitos para uma adaptação para TV ao produtor Mike Larocca.

— Sou escritor, crio livros, mas também sou outra coisa — diz Frey. — Não sei exatamente o quê, mas faço coisas com arte. Faço o que quiser.

Se Frey encontrou alguma perspectiva, isso não significa que esteja em paz. Há nele uma raiva fervente, que só está parcialmente contida. Em sua escrita e terapia, ele chama isso de a Fúria — com F maiúsculo.

Essa Fúria se revela com mais clareza quando fala de Oprah Winfrey, por quem ainda guarda mágoa pela humilhação pública. Ela o convidou de volta ao seu programa em 2011, anos após a polêmica, para pedir desculpas.

Mas ele ainda está irritado.

— É a hipocrisia brutal disso tudo — diz, elevando a voz. — Ela contou mais mentiras para o público, mil vezes mais do que eu. E é só isso que vou dizer.

Frey é próximo de seus três filhos, de 15, 18 e 20 anos. Ele e a esposa se divorciaram em 2021, após 20 anos de casamento.

Sobre Frey ainda paira a perda do filho Leo, morto em 2008, aos 11 dias de vida, por uma rara condição na coluna.

— Nunca me recuperei disso — diz ele, sobre o fato que mudou sua perspectiva sobre tudo. — Passe por isso: sentar com sua esposa, segurando o bebê conectado ao monitor cardíaco, e ver o número cair de 120 para 110, de 110 para 90, 90 para 60, 60 para 40, 40 para 20, e 20 para zero. Aí venha me falar sobre o que eu acho de uma apresentadora de TV gritando comigo.



Conteúdo Original

2025-06-10 06:00:00

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