Oásis da segurança? Apenas seis bairros do Rio tiveram redução de todos os tipos de roubo analisados pelo Mapa do Crime; saiba quais são

O grupo é seleto: num Rio de Janeiro em que os roubos se avolumaram, uma pequena quantidade de bairros contrariou a tendência, conforme revelam os indicadores do ano passado dissecados pelo Mapa do Crime, do GLOBO. Se são oásis numa


O grupo é seleto: num Rio de Janeiro em que os roubos se avolumaram, uma pequena quantidade de bairros contrariou a tendência, conforme revelam os indicadores do ano passado dissecados pelo Mapa do Crime, do GLOBO. Se são oásis numa cidade em que mais pessoas estiveram na mira dos ladrões, a sexta reportagem da série baseada no monitoramento do jornal mostra que nem sempre esse o status é o mais adequado.

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Nos seis bairros que não tiveram aumento em nenhum dos quatro tipos de roubo analisados na ferramenta — de celulares, de veículos, a pedestres e em coletivos —, assim como naqueles que experimentaram redução recorde em determinados delitos, há onde se evidenciam os resultados do reforço no policiamento. Mas também há áreas em que os assaltos são inibidos não pela presença das forças de segurança, porém, pela ocupação do tráfico ou das milícias, que proíbem roubos nos arredores de seus domínios. No fim das contas, sobram poucas ilhas de paz, mesmo onde as taxas de criminalidade por cem mil habitantes ou os números absolutos, ou se aproximam de zero.

Copacabana, na Zona Sul, e Santíssimo e Ilha de Guaratiba, na Zona Oeste, exemplificam como a realidade das ruas pode ser mais complexa. Em 2024, a Princesinha do Mar apresentou queda significativa nos roubos de celular (48,5% a menos do que no ano anterior) e a pedestres (redução 43,2% no mesmo período). Mas não se pode dizer que é raridade ocorrerem ali cenas que chocam, como a de 16 de setembro do ano passado, quando uma dupla de ladrões numa moto abordou um casal na Rua Miguel Lemos, e um dos assaltantes mordeu o dedo de uma das vítimas para arrancar sua aliança.

Santíssimo e Ilha de Guaratiba, por sua vez, estão entre os seis bairros sem aumento dos índices do Mapa do Crime. A lista tem regiões com características socioeconômicas bastante heterogêneas. Inclui ainda São Conrado e Ipanema, na Zona Sul; e Complexo do Alemão e Parque Colúmbia, na Zona Norte. As explicações para os roubos não avançarem em nenhum deles são igualmente diversas.

No caso de Santíssimo, apontam policiais, é o fortalecimento da presença da milícia — com sua imposição de regras pelo horror — o que pode está por trás dos números. Já Ilha de Guaratiba, onde vivem 6.099 moradores, não teve sequer uma ocorrência dos quatro tipos de crime analisados pelo Mapa do Crime em 2024. Em 2023, o local tinha sido palco de um apenas um roubo, a pedestre. Apesar de taxas zeradas, ali também há registros dos desmandos dos paramilitares.

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Ponderações à parte, o que se viu em Copacabana pode apontar para um caminho de combate à ação dos ladrões. No ano retrasado, o bairro teve 456 roubos de celular, número que caiu para 235 em 2024. O bairro passou de segundo com mais casos do crime no Rio para a 11ª posição. No mesmo período, os assaltos a pedestres reduziram de 577 para 328. De terceiro lugar, virou o 12º no ranking do delito.

Como O GLOBO mostrou na última quarta-feira, a melhora ocorreu simultaneamente a explosões de violência em bairros vizinhos. Em 2024, Botafogo, Flamengo e Laranjeiras viveram o lado oposto da moeda e tiveram recordes de roubos a transeunte e de celular. Segundo policiais ouvidos pelo jornal, os dois fenômenos estão interligados e têm relação com o aumento do policiamento em Copacabana a partir do fim de 2023, o que fez com a criminalidade tenha migrado para áreas próximas.

À época, repercutiram casos de violência como os arrastões após o show do DJ Alok, em agosto, e um brutal ataque contra o empresário do ramo de óticas Marcelo Rubim Benchimol, de 67 anos, em 2 de dezembro daquele ano. O idoso tentou impedir um assalto a uma mulher em plena Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das principais vias do bairro, e acabou agredido com chutes, empurrões e um soco por um grupo de assaltantes. Ele ficou estirado na calçada, desacordado, com o olho roxo, o nariz ralado e sem seu celular, levado pelos criminosos. A cena, registrada por câmeras, viralizou nas redes sociais e virou símbolo da onda de assaltos no cartão-postal.

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O comerciante acabou desenvolvendo um pinçamento no nervo da perna causado pela queda, que exigiu seis meses de fisioterapia. No entanto, Benchimol, nascido e criado em Copacabana, diz que jamais pensou em sair do bairro. E enumera mudanças desencadeadas pela repercussão do seu caso.

— Vejo mais viaturas, mais presença de policiamento. Mas também noto outra coisa: as ruas esvaziam depois das 18h. Quase ninguém fica na rua depois desse horário. A violência mudou o comportamento de todo mundo. Tanto que passei a fechar minha loja mais cedo também — afirma ele.

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Seis dias após o crime, a Polícia Civil prendeu Vitor Hugo de Oliveira Jobim, de 22 anos, identificado pelo comerciante como o responsável pelo soco que o fez desmaiar. Jobim já havia sido condenado a sete anos de prisão por dar um soco em outra vítima de um roubo de celular, em junho de 2020, em Ipanema. O processo contra ele e mais dois réus pelas agressões a Benchimol corre em segredo de justiça.

A avaliação do comerciante é corroborada por fontes da área de segurança, que também apontam, além da repercussão do caso, a proximidade do megashow da estrela do pop Madonna, marcado para dali a alguns meses, como pontos de virada para a intensificação do policiamento no bairro. Atualmente, Copacabana conta um efetivo que engloba a UPP do Pavão-Pavãozinho; o Rio Mais Seguro (programa de reforço no patrulhamento bancado pela prefeitura); unidades especiais que atuam no bairro com frequência, como os batalhões de Polícia de Turismo (BPTur) e de Rondas Especiais e Controle de Multidões (Recom); sem contar o 19º BPM (Copacabana), unidade que patrulha somente a região. Para o delegado Ângelo Lages, titular da 12ª DP (Copacabana), desde 2023, a consolidação de Copacabana como palco dos grandes eventos da cidade — após Madonna, houve ainda o megashow de Lady Gaga este ano — justifica a maior concentração de agentes no local.

— Como damos suporte a todos os grandes eventos do Rio, precisamos de um efetivo reforçado. Mas a integração é fundamental. Aqui o que funcionou foi o aumento de efetivo aliado a uma comunicação muito integrada entre as forças de segurança: PM, Polícia Civil e Rio Mais Seguro. Sempre que há um registro de roubo de rua, sou comunicado imediatamente — explica o delegado.

Presidente da associação de moradores local, Tony Teixeira, no entanto, faz ressalvas à melhoria, uma vez que se verificou a migração de casos para bairros vizinhos.

— Copacabana é o cartão-postal do Brasil. Quando chega visita na sua casa desarrumada, você faz o quê? Sem planejamento, arruma a sala rapidinho e joga tudo nos outros cômodos. Parece que a casa está limpa — compara.

Ainda na Zona Sul, no entanto, outras áreas têm baixos índices em parte dos delitos esquadrinhados. Dos 147 bairros do Mapa do Crime, Leblon e Ipanema estão entre os 15 com menor taxa de roubos de veículos no ano passado, com 21,2 e 24,1 casos por cem mil habitantes em 2024. Para efeito de comparação, em Bonsucesso, na Zona Norte, a taxa foi 2.756,1 casos por cem mil habitantes. Já por números absolutos, o Cosme Velho foi um dos dez bairros com menos roubos de celular: seis durante o ano inteiro, contra 1.622 no Centro, onde o roubo dos aparelhos disparou.

Para esse crime, por taxa, um destaque é a Ilha do Governador, na Zona Norte. No conjunto da região, são cerca de 183 mil moradores. E, no ano passado, foram reportados à polícia 56 casos do delito — 32,2 casos por cem mil habitantes. No Centro, a taxa foi de 6.860,7 ocorrências por cem mil moradores. Especialistas, no entanto, apontam que a dinâmica criminal da Ilha, além de ter influência de traficantes das favelas locais, também não atrai criminosos de fora da região devido a seu difícil acesso.

Já em Santíssimo, onde a milícia finca raiz, todos os indicadores monitorados despencaram: roubos de veículos tiveram a maior queda, de 47,5% (de 118 casos para 62 em 2024); os de celular recuaram 37,8% (37 para 23); os de pedestres, 11,8% (51 para 45); e os em coletivos, 33,3% (nove para seis). O local é um ponto fora da curva na Zona Oeste, já que todos os bairros do entorno registraram crescimento nos crimes, com destaque para seus vizinhos mais próximos, Campo Grande e Senador Vasconcelos, que tiveram uma escalada em todos os quatro tipos de roubos.

Investigadores que atuam na região explicam que a queda está relacionada à ofensiva do Comando Vermelho (CV), maior facção do tráfico do Rio, em direção às áreas dominadas pela milícia na Zona Oeste. Após tomar dos rivais, ao longo de 2024, a maior parte da Baixada de Jacarepaguá, os traficantes escolheram como novas frentes de invasão as favelas do Catiri, em Bangu, da Carobinha, em Campo Grande, e Antares, em Santa Cruz — todas redutos de paramilitares. Os primeiros ataques aconteceram ainda no segundo semestre de 2024 e perduram até hoje. Santíssimo, porém, seguiu fora da rota do CV — e viu o controle dos paramilitares se intensificar.

— Ali é onde a milícia de Campo Grande, que já foi muito forte e está enfraquecida, ainda mantém o controle. O núcleo está ali e ainda exerce influência sobre a criminalidade. Ladrões pensam duas vezes antes de roubar no bairro — conta um policial.

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Outro bairro onde o crime organizado influencia os indicadores criminais é São Conrado, na Zona Sul, onde se situa a maior favela do país, a Rocinha. Segundo estimativas de integrantes da cúpula da Segurança Pública do estado, a comunidade tem, em seu interior, 1.500 fuzis nas mãos dos traficantes do CV que a controlam. No mês passado, uma câmera capturou imagens da fuga em massa de cerca de 400 criminosos armados por uma área de mata da comunidade durante uma operação policial. No bairro de classes alta e média alta aos pés da favela, no entanto, os crimes despencaram. Roubos de celular caíram 33% e, a transeunte, 21%. Apenas um ataque em ônibus foi registrado ao longo de 2024; no ano anterior, tinham sido quatro. O número de veículos subtraídos se manteve, apenas dois em cada ano.

— Ando todos os dias pela Estrada das Canoas até a praia e não me sinto inseguro. Acho que, por estarmos ao lado da Rocinha, eles evitam agir por aqui. Pode ser uma estratégia do dono do morro, menos atenção se volta à comunidade — afirma o estudante Daniel Chorovsky, de 26 anos, que vive há seis anos no bairro.

O raciocínio do morador encontra eco em dados de inteligência coletados pela Secretaria de Segurança, que apontam a Rocinha como atual paradeiro de Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, ex-integrante da cúpula do CV, deposto do mais alto cargo da hierarquia da facção fora da cadeia em 2023, após uma crise interna causada pelos assassinatos de três médicos num quiosque na orla da Barra da Tijuca por integrantes da facção. O criminoso é conhecido pelo perfil discreto e por ter uma visão mais empresarial do negócio das drogas, evitando confrontos com forças de segurança.

— Não é à toa que os números de São Conrado estão tão baixos. Há uma influência grande do Abelha, que não quer chamar atenção — afirma o secretário de Segurança, Victor César dos Santos.

Além do chefão do CV, a Rocinha também abriga atualmente diversos integrantes da facção oriundos de outros estados, como Ceará, Goiás, Pará e Bahia.

Do outro lado da cidade, no subúrbio da Zona Norte, um outro bairro que chama a atenção é o Parque Colúmbia, com redução dos assaltos em meio a áreas recordistas de violência. Em 2024, o local teve queda nos roubos de celular (30%), a transeunte (30,8%) e de veículo (10,7%) e manteve o mesmo número de roubos em coletivo do ano anterior (seis casos apenas). Localizado entre a Rodovia Presidente Dutra e a Avenida Pastor Martin Luther King Jr. — duas vias temidas por motoristas e passageiros pela alta incidência de assaltos —, o Parque Colúmbia está colado em bairros campeões de roubos, como Pavuna e Irajá, dupla que está no topo do ranking de subtrações de veículos em toda a cidade. O lugar também é impactado pela conflagrada cena criminal nos dois complexos de favelas vizinhos, o do Chapadão e o da Pedreira, controlados por facções inimigas, o CV e o TCP, respectivamente. A guerra entre os bandos rivais já durava mais de dez anos, mas os conflitos arrefeceram recentemente.

— Há cerca de três ou quatro anos, aqui era uma loucura. Felizmente, não tem mais acontecido, melhorou bastante, temos visto até viaturas da PM passando. Muitas empresas que tinham saído daqui, voltaram, graças a Deus — observou um mecânico, morador do bairro há duas décadas.

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Conteúdo Original

2025-07-26 00:01:00

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