Há uma frase de Anthony Hopkins que Liam Neeson gosta de compartilhar. Sempre que Neeson pergunta como ele está, Hopkins responde: “Ótimo. Ainda não fui descoberto.” Aos 73 anos, Neeson sente que também ainda não foi descoberto. Outrora apelidado de herdeiro da grandiosidade romântica arrebatadora de Sean Connery, Neeson, com seu catálogo de mais de cem filmes de Hollywood, é tão interessante como qualquer ator hoje em dia. Ele pode ser o alvo de prêmios como “A lista de Schindler” e êxitos como “Star Wars Episódio I” e “Batman Begins”. Isso sem considerar a longa lista de filmes de ação que este astro indicado ao Oscar e ao Tony interpretou — muito graças ao sucesso surpreendente da franquia “Busca implacável”, que gira em torno de Neeson como um pai com habilidades para encontrá-lo e matá-lo se você sequestrar a filha dele. Sua carreira o mantém na dúvida sobre o que virá a seguir.
Em julho, numa sala de projeção do prédio da Paramount em Nova York, Neeson disse:
— Honestamente, não estou tentando mudar. Não foi proposital.
Se você ainda não descobriu por que não consegue escapar do rosto dele ultimamente, isso faz parte de sua próxima mudança: ele estrelará “Corra que a polícia vem aí”, o reboot da franquia de comédia policial dos anos 1980 e 1990 (que estreia no Brasil no próximo dia 14). O filme servirá como teste para saber se a intensidade de um homem sério que fez de Neeson um favorito dos filmes de ação pode ser traduzida para o nível de risos produzidos por Leslie Nielsen, seu antecessor na trilogia. (Neeson interpreta o filho de Nielsen, Frank Drebin Jr., no filme, que também é estrelado por Pamela Anderson e Paul Walter Hauser.)
— Liam é provavelmente o único ator vivo que no século XXI poderia interpretar Frank Drebin — disse Seth MacFarlane, produtor de “Corra que a polícia vem aí”.
Sua participação no filme é, sem dúvida, o maior salto de Neeson de volta ao mainstream desde que a trilogia “Busca implacável” foi concluída, há mais de uma década. Agora, numa temporada de sucessos dominados por super-heróis e dinossauros, o público está pronto para rir com Neeson, que admite:
— Não me considero engraçado, mas adoro rir e engasgar com algo.
Será que um dos talentos mais maleáveis de Hollywood consegue ressuscitar a noção de que pode haver uma comédia de sucesso?
— Sem entrar em política e coisas do tipo, todos nós vivemos em uma cultura, uma sociedade onde temos medo de falar e medo se não o fizermos. É isso que eu sinto. E precisamos dos Dave Chappelles, precisamos dos Ricky Gervaises, precisamos dos Robin Williamses para fazer piadas — disse Neeson. — É por isso que existem gárgulas nas catedrais, para nos lembrar: “Vamos lá, não se leve tão a sério.” O filme é divertido, e precisamos disso, eu acho.
Quando adolescente, na Irlanda do Norte, Neeson tinha duas paixões: atuar e boxe. Aos 11 anos, atuou em sua primeira peça na escola. Aos 16, levou um forte golpe de esquerda na cabeça que o fez parar de lutar de vez.
No início dos anos 1980, Neeson morava em Londres com sua então namorada, a atriz Helen Mirren. Ela disse recentemente que, toda vez que passava por uma certa loja de artigos usados, ele via uma pintura de um caubói galopando pelo Oeste americano. Neeson sempre adorou filmes americanos, e Mirren, que gostava mais de Shakespeare, não entendia muito bem. Era claro que ele ansiava pelo que via como a grandiosidade dos EUA. E, cada vez que olhava para a pintura, dizia a Mirren:
— Eu quero fazer isso. Quero ser o cara que atravessa as planícies a cavalo.
Ela acabou comprando a pintura para ele.
— Quando conversávamos sobre nossos sonhos, e esse era o sonho do Liam, era altamente improvável que se concretizasse naquele momento — disse Mirren. — É extraordinário ver isso acontecer com ele. Amarei o Liam até o dia da minha morte.
Neeson e eu conversávamos a apenas um quarteirão de onde sua vida mudou para sempre por dois fatos diferentes, mais de três décadas atrás.
A primeira é o cruzamento da Broadway com a Rua 45W, onde Neeson estrelou a remontagem de “Anna Christie” em 1993. Sua coestrela era Natasha Richardson, com quem se casou no ano seguinte e com quem teve dois filhos, Micheal e Daniel. Richardson morreu em 2009, aos 45 anos, devido a um acidente de esqui.
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O outro fato? Esse mesmo espetáculo da Broadway selou o acordo com Steven Spielberg para que ele interpretasse Oscar Schindler em “A lista de Schindler”, pelo qual recebeu uma indicação ao Oscar de melhor ator. O papel lançou Neeson a novos patamares de fama, mas não o impediu, sempre seu próprio crítico, de pensar que talvez outra pessoa tivesse sido melhor.
— Até bem pouco tempo atrás, eu sempre pensava que deveríamos ter escalado este ou aquele ator — disse ele.
Nos 15 anos após “A lista de Schindler”, Neeson mudou novamente, desta vez com um pequeno filme de ação que ele tinha certeza de que seria lançado diretamente em vídeo e uma boa desculpa para ele mergulhar em seu repertório amador de boxe da adolescência. Chamava-se “Busca implacável”. Mas, do nada, o filme trouxe o papel que o definiu, tornando-o um astro de ação aos 55 anos.
Há uma cena específica em “Corra que a polícia vem aí” envolvendo Neeson, Anderson e um boneco de neve que parece uma viagem de ácido invernal e excitante que ganha vida. Nada mais pode ser dito sem estragar a surpresa, mas Neeson tinha suas dúvidas sobre o que eles estavam prestes a fazer e se era tudo muito maluco.
— Eu pensei: “Isso não vai funcionar”, mas o que eu sei? — disse Neeson sobre a cena que rendeu mais risadas durante uma pré-estreia recente.
Foi, reconhecidamente, uma ideia maluca da parte de MacFarlane e do diretor, Akiva Schaffer, pedir a Neeson para liderar o renascimento de uma franquia de comédia adormecida há décadas.
— Você precisa refazer coisas que podem ser melhoradas, e o que eu pensava sobre Leslie e o “Corra que a polícia vem aí” original era que não havia espaço para melhorias — disse Schaffer.
Se houvesse um superpoder que Neeson pudesse usar para lembrar as pessoas por que os filmes originais de “Corra que a polícia vem aí” eram tão amados e engraçados, seria o da sua expressão impassível e apaixonada.
— Não queríamos Liam Neeson interpretando um personagem engraçado — disse MacFarlane. — Queríamos que Liam Neeson fizesse o que faz tão lindamente.
Você ouve a voz rouca, vê o olhar distante e sente a figura de 1,93m, e não há nada que você possa fazer. Ele te pegou.
— Ele trata tudo como se fosse “Busca implacável” ou “A lista de Schindler”, com a mesma severidade na voz, nas expressões faciais e na linguagem corporal — disse Hauser, seu colega de elenco. — É quando ele está mais engraçado.
2025-08-05 04:30:00