Ex-seminarista relata ameaças de morte à polícia após escrever livro sobre padres gays: ‘Na hora certa agiremos’

O lançamento de um livro sobre a sexualidade de integrantes da Igreja Católica foi parar na delegacia. Autor de “A vida secreta dos padres gays: sexualidade e poder no coração da Igreja”, o ex-seminarista paraense Brendo Firmino da Silva, de


O lançamento de um livro sobre a sexualidade de integrantes da Igreja Católica foi parar na delegacia. Autor de “A vida secreta dos padres gays: sexualidade e poder no coração da Igreja”, o ex-seminarista paraense Brendo Firmino da Silva, de 33 anos, procurou o Ministério Público e a Polícia Civil de São Paulo antes mesmo da noite de autógrafos, marcada para 13 de maio. Segundo boletim registrado em 30 de abril na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), o escritor relatou ter recebido ameaças de morte e ofensas homofóbicas após anunciar a pré-venda da obra nas redes sociais. As mensagens incluíam frases como “temos seu endereço, seus dados, tudo” e “na hora certa agiremos”, além de insinuações sobre tortura, perseguição e até assassinato.

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Em conversa com o blog, Brendo afirmou estar assustado com o teor das mensagens. “A Igreja Católica, logicamente, está contra mim. Até os gays me atacam por ter escrito esse livro. Então é uma situação de solidão, de estar mexendo numa ferida de maneira totalmente solitária. Agora que o livro está sendo lançado no meio dessa polêmica, sinto uma sensação de insegurança. Eu saio na rua e fico com medo”, disse.

O escritor também levou o caso ao Ministério Público de São Paulo, onde protocolou uma queixa conhecida como “notícia de fato”, relatando as ameaças recebidas e solicitando providências para garantir sua integridade física e liberdade de expressão. No documento, anexou capturas de tela com mensagens intimidadoras, além de prints dos perfis responsáveis pelos ataques. A medida busca ampliar a atuação do Estado diante do que classificou como perseguição sistemática motivada por intolerância religiosa e homofobia.

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Publicado pela editora Matrix, o livro-reportagem denuncia a cultura de silêncio em torno da homossexualidade no clero católico. Com base em entrevistas com quase 20 padres, seminaristas e ex-religiosos, além de relatos pessoais, a obra expõe casos de vida dupla, relações sexuais mantidas em segredo, episódios de assédio e tentativas de “cura gay” dentro de seminários. O autor também descreve a existência de grupos organizados de padres homossexuais, o impacto da epidemia de HIV nos anos 1980 e o aumento de suicídios ligados à repressão da sexualidade no ambiente religioso.

É importante deixar claro: padres, bispos, seminaristas ou qualquer outro membro do clero que exerça sua sexualidade (independentemente da orientação) não estão em conflito com a lei. O que se discute na obra de Brendo são as contradições entre a vida privada desses religiosos e o voto de celibato exigido pela Igreja Católica — um compromisso espiritual e disciplinar, mas sem respaldo legal no ordenamento jurídico brasileiro.

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No livro, o escritor relata também sua experiência como seminarista. Ele ingressou no convento aos 14 anos, em Belém do Pará, e permaneceu por sete anos na formação, passando por diferentes estados e também pela França. Diz ter presenciado práticas que contrariam o voto de celibato, como festas, relações amorosas e encontros sexuais com outros seminaristas e padres. Em um dos seminários, no interior de São Paulo, afirma ter sido submetido a um suposto tratamento de “cura gay” com medicamentos controlados sem prescrição médica, além de ter sido assediado por um sacerdote durante confissão.

Essas vivências, narra, impulsionaram a investigação jornalística que deu origem ao livro. Pedagogo, jornalista em formação e pós-graduado em Religião e em Sexualidade, Brendo se define como um pesquisador dedicado às intersecções entre fé e identidade sexual.

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Durante sua trajetória na vida religiosa, ele conta no livro que frequentou saunas e pontos de prostituição ao lado de outros seminaristas e padres, manteve relações sexuais com membros do clero e foi assediado por um confessor de religião. Foi após relatar esses casos aos seus superiores que Brendo teria sido submetido a medicamentos sem prescrição como parte de um tratamento de suposta “reversão”. Segundo ele, esses episódios evidenciam o abismo entre o discurso institucional da Igreja e as práticas vividas por seus próprios integrantes.

Já fora da vida religiosa, Brendo diz ter continuado a testemunhar comportamentos semelhantes. Relatou ter frequentado, acompanhado por um bispo, pontos de prostituição na Praça da República, em São Paulo, e reencontrado padres em locais como saunas, clubes e boates para o público homossexual. Ele afirma ainda ter participado de encontros em sítios onde padres e seminaristas mantinham relações sexuais em grupo: “Eu estava junto. Não foi algo que me contaram. Foi algo que eu vi”. Para o autor, há uma rede estruturada de convivência homossexual dentro da Igreja, sustentada por um pacto de silêncio.

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Ao longo da pesquisa, Brendo buscou responder a uma pergunta que o acompanhava desde a adolescência: por que a Igreja Católica é tão atrativa para os jovens gays? No livro, ele reúne respostas colhidas em entrevistas com padres, seminaristas e ex-religiosos. Alguns relatam fascínio pela estética litúrgica e pelas vestimentas sacerdotais; outros enxergam no sacerdócio um refúgio contra a rejeição familiar ou uma forma de conquistar respeito social. Há quem tenha buscado no seminário uma estrutura de apoio material e educacional. A Igreja, para muitos, ofereceu um espaço ambíguo de acolhimento e repressão — onde o silêncio institucional permitia uma vivência velada da sexualidade.

No livro, o escritor conta as histórias, mas não revela nomes de religiosos nem locais e datas com precisão. De acordo com o editor da obra, Paulo Tadeu, a omissão ocorreu para proteger o autor de ataques e evitar processos judiciais. “Nossa intenção não é expor ninguém. É denunciar a hipocrisia da Igreja Católica. Até porque os fatos são mais importantes que os nomes”, sustenta.

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Desde que tornou públicas as ameaças, Brendo passou a enfrentar a desconfiança de algumas pessoas, que insinuam tratar-se de uma estratégia publicitária para promover o livro. “Teve gente que falou que isso era marketing, que eu estava inventando tudo para vender livro. Mas ninguém em sã consciência usaria o próprio medo como campanha. E eu estou com medo de verdade”, garantiu.

A capa do livro de Brendo Silva — Foto: Divulgação



Conteúdo Original

2025-05-02 03:30:00

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