‘Estamos focados nos receptadores, mas a legislação dificulta’, diz secretário de Polícia Civil sobre o roubo de celulares

O delegado Felipe Lobato Curi, que completou um ano como secretário de Polícia Civil do Rio, afirma que o combate a um dos maiores problemas de segurança pública do estado, o roubo de celular, esbarra na legislação para punição dos


O delegado Felipe Lobato Curi, que completou um ano como secretário de Polícia Civil do Rio, afirma que o combate a um dos maiores problemas de segurança pública do estado, o roubo de celular, esbarra na legislação para punição dos receptadores, já que o crime não envolve violência e, por isso, os presos acabam voltando para as ruas. Este ano, de janeiro a julho, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), foram 15.567 registros de roubo de aparelhos, 29% acima do número de casos no mesmo período de 2024. Em entrevista ao GLOBO, Curi fez um balanço desse período e afirma que o maior desafio da corporação continua sendo melhorar a sensação de segurança da população. Segundo ele, mesmo quando há redução dos índices de criminalidade, o clima de insegurança persiste em razão das guerras territoriais travadas por organizações criminosas que atuam no estado.

  • Polícia Civil do Rio faz maior operação do país no combate ao tráfico de animais silvestres; TH Jóias é um dos alvos
  • Afogamento no Leme: ‘Aliviado por terem encontrado o corpo e triste por enterrar meu filho de 15 anos’, diz pai de adolescente

Temos no Rio um problema enorme com o roubo de celulares. Como resolver isso?

Durante a minha gestão também lançamos a operação Rastreio com objetivo de combater a rede que envolve o furto e roubo de celulares. Ela é muito importante, mas ainda está em fase de amadurecimento. Diferentemente dos veículos, o celular é muito pulverizado, qualquer pessoa pode fazer. Estamos focados nos receptadores, mas a legislação dificulta, já que esse crime não envolve violência e os presos não permanecem detidos. Vamos adaptando as estratégias. Já há bons resultados, mas ainda falta chegar realmente no azul.

O que o senhor apontaria hoje como o maior desafio da Polícia Civil?

O maior desafio é melhorar a sensação de segurança. Hoje temos índices melhores do que vários estados, mas a sensação de segurança ainda não é boa porque vivemos com a questão da disputa territorial e das guerras de facções. O outro desafio é desmistificar as falsas narrativas em que muita gente coloca na conta da polícia todos os problemas da segurança pública. Obviamente temos a nossa parcela de responsabilidade, porém muita coisa que acontece no Estado do Rio não é problema de polícia. Não fomos nós que demos causa, só atuamos na consequência. Vários outros atores deram causa a esse estado de coisas que a gente está vivendo. Por exemplo, por que um adolescente entra para a boca de fumo, pega um fuzil e vai trabalhar para o tráfico? Isso é problema da polícia? Não. Mas a gente é que tem que ir lá resolver o problema.

  • Pequena África: edital do BNDES destina R$ 5 milhões a 11 projetos voltados a cultura e educação

Qual é a origem do problema que enfrentamos hoje?

O Estado do Rio de Janeiro vem de uma série de decisões equivocadas nos últimos 20 anos, que alteraram absurdamente o cenário da segurança pública no Rio de Janeiro. Antes das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), os criminosos se concentravam nos grandes complexos de favela como o Alemão, Penha, Rocinha, Jacarezinho, Mangueira, entre outros. Mas, depois das UPPs, que era um projeto bom, mas perdeu o controle, o crime se espalhou. A realidade que a gente tinha aqui concentrada foi para a Baixada, Região dos Lagos, Costa Verde. Hoje até Cabo Frio e Búzios sofrem com disputa territorial de facção. O que aconteceu foi a metástase do tráfico, e ele se espalhou para o estado inteiro.

Como era encontrar o TH Joias em eventos e vê-lo envolvido em pautas de segurança pública? Chegou a fazer algum alerta sobre ele nos bastidores?

Eu conheci bem a trajetória criminosa do TH Joias, desde 2017, quando conduzi a investigação que resultou na sua prisão. Por isso, vê-lo anos depois em espaços institucionais, tentando se travestir de agente público, sempre me pareceu um enorme contrassenso. Eu nunca tive dúvidas sobre quem ele era de fato: um criminoso ligado a uma das maiores facções do país. E sim, nos bastidores sempre manifestei preocupação com esse tipo de infiltração do crime organizado na política. A operação da semana passada, conduzida de forma integrada pelas polícias Civil e Federal, junto com o Ministério Público, apenas confirmou o que nós já sabíamos: a máscara dele tinha que cair. O Estado do Rio não pode tolerar que criminosos usem mandatos para expandir os interesses de facções. Essa prisão foi mais do que necessária — foi uma resposta ao povo fluminense e uma reafirmação de que a lei está acima de qualquer cargo ou discurso.

  • Chacina de Acari: CNJ determina correção de certidão de óbito das vítimas

Como está a articulação com os EUA para enquadrar quadrilhas como organizações narco terroristas?

Esse processo está em andamento, e nós auxiliamos a Secretaria de Segurança Pública com um relatório de inteligência bastante robusto. Isso é fundamental porque, a partir desse reconhecimento, temos condições de trocar informações, obter mais recursos, ampliar ações e adequar a legislação. Hoje, quando esses criminosos são presos portando armas de guerra, muitas vezes cumprem apenas um ano de pena. A legislação atual já não é compatível com o cenário que enfrentamos no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. O que vivemos aqui deixou de ser apenas uma questão de segurança pública. Polícia nenhuma do mundo enfrenta o que as forças do Rio combatem. Trata-se de um problema de segurança nacional.

O senhor afirma isso porque o Comando Vermelho já atua de forma organizada em todo o país?

Eles não tinham essa capilaridade. Foram construindo esse intercâmbio criminoso para se expandir. Há pessoas vindo de outros estados para cá e levando conhecimento para lá, e assim o ciclo se repete. O problema é sério, mas muitos não enxergam isso. E só a polícia não vai resolver. Polícia nenhuma do mundo vai resolver. É por isso que digo: pode chamar a Nasa, a Scotland Yard, o FBI, quem for. Não vai resolver, porque estamos diante de um sistema em que a justiça criminal precisa ser revista. Enquanto for vantajoso para o criminoso, ele vai arriscar. O que falta é uma legislação adequada.

  • Praia da Reserva: o que falta esclarecer sobre a morte do empresário e paraquedista Gabriel Farrel

O senhor sempre fala na necessidade de uma mudança na legislação no enfrentamento ao crime. Onde está o problema?

Vamos pegar, por exemplo, o crime de estelionato digital. O criminoso causa um prejuízo de milhões de reais depois de entrar na sua conta. Sabe o que acontece com ele? Praticamente nada, do ponto de vista prático. É considerado um crime sem violência ou grave ameaça. O risco é tão baixo que ele pensa: “Vou dar um golpe aqui e consigo R$ 10 milhões. Pago R$ 500 mil para um advogado. Se tiver de cumprir uma prisãozinha de seis meses, ainda fico com R$ 9 milhões”. Enquanto prevalecer essa sensação de impunidade, o crime vai continuar saindo barato.

No passado, você foi o responsável pela operação que localizou o Ecko. Não gostaria de ter nesse currículo a prisão do Peixão ou do Doca?

Não vou dizer que seria importante, é importante tirar o Peixão, é importante tirar o Doca, mas é importante tirar muitos outros também de circulação. E a gente já prendeu tanta gente da estrutura deles que são até mais importantes. Mexemos com muita gente da estrutura do Comando Vermelho ao longo da gestão e ainda tem trabalhos em andamentos. Mas não prendemos o Peixão alguns meses atrás por um triz. Então por um triz mesmo. Então assim, a hora dele vai chegar.



Conteúdo Original

2025-09-17 04:30:00

Posts Recentes

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE