O Governo do Estado do Rio enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o plano de reocupação territorial de áreas dominadas pelo crime organizado nesta segunda-feira. A medida, que atende a uma das determinações da Corte no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, a ADPF das Favelas, será implementada primeiramente nas comunidades da Gardênia Azul, da Muzema e de Rio das Pedras, todas na Zona Sudoeste carioca. Em 200 páginas, o documento enumera ações necessárias para a realização dessa retomada, entre elas até a participação das Forças Armadas e de forças federais de segurança, “se necessário”, nessa operação.
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Elaborado pela Secretaria estadual de Segurança Pública, o Plano Estratégico de Reocupação Territorial — como foi nomeado — foi enviado a partir de uma petição assinada por Carlos Costa e Silva, procurador do Estado; e Joaquim Pedro Rohr, subprocurador-geral do Estado, que destacaram que o documento visou atender aos parâmetros exigidos pelo STF.
Ao todo, o planejamento prevê cinco eixos temáticos: Segurança Pública e Justiça; Desenvolvimento Social; Urbanismo e Infraestrutura; Desenvolvimento Econômico; Governança e Sustentabilidade.
No primeiro deles, que tem como objetivo “eliminar a presença armada de organizações criminosas, garantir a ordem pública e restabelecer o império da lei”, é mencionada a possível integração entre as forças estaduais e federais nessa retomada. Essa relação com as Forças Armadas é citada quase dois meses após uma polêmica envolvendo o tema.
Em 28 de outubro, data da megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, quando 122 pessoas foram mortas, o governador Cláudio Castro cobrou ajuda do governo federal, sobretudo, dos blindados das Forças Armadas, mas disse ter recebido reiteradas negativas da União sobre o tema. Na ocasião, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, rebateu a fala e afirmou que não havia negado nenhum pedido.
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Bases 24 horas e guarda municipal comunitária
Ainda são mencionadas outras ações integradas, como apoio da Polícia Federal, da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) no apoio à repressão ao tráfico e à lavagem de dinheiro.
Também estão previstas a implementação de Bases Integradas de Segurança Territorial (BISTs), que terão funcionamento 24 horas. A quantidade, no entanto, ainda depende do plano tático operacional, o que, segundo a Secretaria estadual de Segurança Pública, faz parte da próxima fase, após a homologação do STF.
Uma guarda municipal comunitária, com formação em direitos humanos, deve ser implementada, assim como a presença da Justiça Itinerante e a criação de postos avançados da Ouvidoria e da Defensoria Pública nos territórios retomados.
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Becos, vielas e iluminação em foco
Becos, vielas e “áreas degradadas com impacto na segurança pública” passarão por uma “requalificação”, assim como escolas públicas, que terão a implantação do sistema de tempo integral, com atividades extracurriculares. Áreas com “risco de domínio armado” também receberão iluminação pública.
Outra medida prevista no documento enviado à Suprema Corte é a elaboração de programas de apoio familiar e “combate ao aliciamento de crianças e adolescentes pelo crime”. Serviços móveis — como os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), por exemplo — e a criação de Casas de Mulher e de Centros da Juventude e Oportunidades também devem se fazer presentes.
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Wi-fi livre e moradias em foco
São planejadas obras de infraestrutura nas comunidades contempladas pelo plano de reocupação. Além disso, está prevista a implementação de Wi-Fi livre em espaços coletivos.
As moradias também são protagonistas dessas ações do poder público: haverá a criação de zonas especiais de regularização fundiária, para a permanência de moradores, assim como a fiscalização de loteamentos irregulares e construções exploradas pela milícia.
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Criação de zonas de incentivo ao empreendedorismo, inserção de jovens no mercado de trabalho a partir de cotas com empresas parceiras do setor privado e a criação de observatórios municipais de violência e criminalidade, com dados territorializados, também são mencionados.
O Estado também avaliou o próprio trabalho em tentativas anteriores de retomada e mencionou que o programa Cidade Integrada, por exemplo, implementado no Jacarezinho e na própria Muzema, reproduziu a “retórica de ‘retomada de território'” usada na implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). “Assim como ocorreu com as UPPs, a tendência foi de limitar-se à fase inicial de ocupação, sem avançar para um policiamento comunitário e horizontal, incapaz, portanto, de enfrentar as raízes estruturais das desigualdades”, diz trecho do documento enviado ao STF.
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A escolha de Gardênia, Muzema e Rio das Pedras para o início da reocupação, que deve ser realizada no primeiro trimestre do ano que vem, é justificada no documento elaborado pela Secretaria de Segurança Pública pelo “nível crítico de atuação de grupos armados organizados”, assim como a “presença de diversas facções criminosas, além de ocupações irregulares, especulação imobiliária controlada por milícias, degradação ambiental e vulnerabilidade social”. A seleção do local foi “criteriosa”, diante da limitação orçamentária vivida pelo Estado.
Essa área, no que é nomeado como Cinturão de Jacarepaguá, é apontada pelo documento como território estratégico, já que “tende a refletir diretamente sobre áreas vizinhas”, como a Barra da Tijuca.
“A milícia de Rio das Pedras, consolidada há décadas, constitui um dos grupos mais poderosos do país, enquanto a Muzema vive processo recente de ocupação pelo Comando Vermelho, com confrontos violentos e expulsão de moradores. Por outro lado, a Gardênia também sofre forte influência do Comando Vermelho, que atua na região, agravando ainda mais a situação”, diz trecho do relatório, que pontua que Rio das Pedras ainda é impactada pela presença do TCP (Terceiro Comando Puro).
Procurada, a Secretaria de Segurança informou ainda que calcula que o crime organizado tenha lucrado R$ 10 bilhões na compra e venda de imóveis na região. O fornecimento de internet, por sua vez, gera R$ 3 milhões por mês, enquanto a venda de botijões de gás gera R$ 4 milhões, aponta a pasta, que ainda está em “processo de finalização de estimativas de ganhos” dessas organizações criminosas com venda de água e carvão, assim como taxas cobradas de mototaxistas e do comércio local.
2025-12-23 03:00:00



