Em ‘Honey, não!’, Ethan Coen e Tricia Cooke retomam trilogia lésbica enquanto revisitam filmes de assalto

Aparentemente, os planos de uma aposentadoria tranquila de Ethan Coen, por exaustão profissional, foram por água abaixo. O diretor americano retorna às telas com “Honey, não!”, seu terceiro filme solo desde “A balada de Buster Scruggs” (2018), o último projeto


Aparentemente, os planos de uma aposentadoria tranquila de Ethan Coen, por exaustão profissional, foram por água abaixo. O diretor americano retorna às telas com “Honey, não!”, seu terceiro filme solo desde “A balada de Buster Scruggs” (2018), o último projeto que dividiu com o irmão Joel, com quem manteve uma parceira criativa que sacudiu o cinema independente americano dos anos 1980 e 1990, com títulos como “Gosto de sangue” (1984), “Fargo” (1996) e “O grande Lebowski” (1998). Misto de policial e comédia de humor negro, o novo longa, que estreia nos cinemas do país na quinta-feira (6), é coescrito e editado por Tricia Cooke, companheira de Ethan e editora dos Coen por 32 anos, que estimulou o cineasta a voltar ao trabalho ainda durante a pandemia, como o documentário “Jerry Lee Lewis — Trouble in mind” (2022).

“Honey, não!”, que foi o título de encerramento do Festival de Cannes este ano, dá sequência a uma espécie de trilogia lésbica bolada pela dupla, iniciada com “Garotas em fuga” (2024), e em que revisitam o subgênero do filme de assalto. Agora, Joel e Tricia brincam com os códigos das histórias de detetives americanas dos anos 1940 e 1950, que tiveram o escritor Raymond Chandler e o ator Humphrey Bogart como símbolos. Na trama, Margaret Qualley (de “A substância”), que também participou do filme anterior, interpreta Honey O’Donahue, detetive particular de uma pequena cidade do interior que se depara com uma série de crimes violentos, ligados a um culto religioso de um pastor viciado em sexo, vivido por Chris Evans, o Capitão América da franquia Marvel. Mesmo longe do irmão, Ethan continua explorando a violência pelo prisma do entretenimento, sem intenção de aludir a um contexto social específico.

— É o que o cinema faz bem: entreter, divertir, tirar o espectador da estranha e horrível realidade lá fora, nas ruas. Você tem que desfrutar de um filme sem essa conexão com a realidade. Filmes fazem isso, é animador quando eles fazem isso bem — diz Coen.

Tricia Cooke e Ethan Coen no Festival de Cannes, em maio de 2025 — Foto: Bertrand Guay/AFP
Tricia Cooke e Ethan Coen no Festival de Cannes, em maio de 2025 — Foto: Bertrand Guay/AFP

‘Honey, não’ é uma comédia detetivesca conduzida por mulheres lésbicas. Como foi a combinação dos elementos?

TRICIA COOKE: Bem, porque nós estamos acostumados a assistir a tantas histórias de detetive protagonizadas por homens, e eu acho interessante ter personagens femininos nesse gênero, e personagens fortes. Então, quando eu e Ethan começamos a desenvolver um possível roteiro para um filme novo, decidimos brincar com filmes clássicos do gênero, reverter sua lógica, acrescentando uma protagonista lésbica. Honey O’Donahue, a personagem de Margaret Qualley, é o que podemos chamar de butch femme, durona, muito feminina e sensual.

ETHAN COEN: Você se referiu ao filme como uma comédia, o que acho interessante, porque não vejo bem assim. Mas não me importo que achem engraçado, claro. Ok, mas, se você ri de algo nele, isso signifique que é uma comédia, não para mim. Eu vejo muitos filmes dramáticos que me fazem rir de alguma coisa ou outra. Temos um amigo que fez um filme e foi assisti-lo com o público e ficou desanimado com o resultado, porque as pessoas riam em determinadas partes da história. Para ele, era como se o filme não tivesse funcionado como drama. Mas ok, se a plateia ri, para mim o filme também funciona de alguma forma.

TRICIA: Acho que o personagem do Chris Evans contribui para essa impressão. Tem alguma coisa cômica na participação dele. (risos)

Como você o classificaria então, Ethan?

ETHAN: Eu diria que é uma história de detetives, basicamente.

História original ou inspirada em fontes específicas?

ETHAN: Bem, não há exatamente fontes claras, mas nós dois temos muito entusiasmo por esse tipo de gênero de filme, aqueles hard-boiled americanos com detetives fortes, violentos, machões, inspirados na literatura policial. Aqueles detetives interpretados por atores como Humphrey Bogart, por exemplo. E há algumas fontes específicas para algumas coisas específicas. Robert Altman, por exemplo, dirigiu “O perigoso adeus” (1973) a partir do romance de Raymond Chandler, com Elliott Gould no papel do detetive Philip Marlowe, que é uma espécie de sátira ao gênero. “Honey, não!” tem uma cena em um piano bar que foi um pouco roubada de uma sequência parecida no filme do Altman, até no estilo dele de mover a câmera.

TRICIA: Eu cresci no Sul da Califórnia, em uma região parecida com a cidade do filme, e aquele estilo de vida, de paisagem, também foi determinante para estabelecer onde colocar a ação de “Honey, não!”.

Chris Evans em 'Honey' não!' — Foto: Karen Kuehn/Divulgação
Chris Evans em ‘Honey’ não!’ — Foto: Karen Kuehn/Divulgação

Honey O’Donahue é inspirada em alguém ou algum personagem de ficção?

ETHAN: Não há uma referência específica, e não falo isso para desvincular influências, até porque elas operam como um reservatório. É como aquela parte que roubamos do filme do Altman. A voz de Honey O’Donahue, por exemplo, tem um pouco de Lauren Bacall, um timbre que nos é muito familiar, e era meio que como a personagem deveria soar, então conversamos com a Margaret sobre isso.

É difícil ter financiamento para filmes independentes, como os seus?

ETHAN: Está difícil para todos, a não ser que você tenha um projeto bancado por um estúdio, ou tenha uma marca, ou faça parte do universo Marvel. E está ficando mais difícil. Na década de 1990, havia mais espaço e interesse por projetos diferentes, ousados, pequenos, havia dinheiro sobrando para investir em personagens e histórias marginais, como eu e Joel fazíamos.

Algum novo projeto em vista?

ETHAN: Ainda não sabemos ao certo. Escrevi um roteiro com o Joel, mas ele está envolvido com um outro projeto pessoal por agora. Eu e Tricia conversamos sobre várias possibilidades, temos algumas coisas desenvolvidas, mas acho que o mais provável é terminar essa trilogia com lésbicas.



Conteúdo Original

2025-11-02 04:01:00

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