‘Desarmar o crime deve ser prioridade’, afirmam especialistas ao GLOBO

Desde a primeira apreensão de um fuzil AR-15 em 1989 em posse de traficantes no Rio, o aumento de circulação dessas armas no Brasil acompanhou o crescimento do mercado mundial, o desenvolvimento dos grupos armados brasileiros e a atuação tímida


Desde a primeira apreensão de um fuzil AR-15 em 1989 em posse de traficantes no Rio, o aumento de circulação dessas armas no Brasil acompanhou o crescimento do mercado mundial, o desenvolvimento dos grupos armados brasileiros e a atuação tímida das autoridades. O resultado é claramente observável no Rio, onde grupos armados controlam e disputam territórios empunhando fuzis, enquanto policiais circulam com os “bicos” dessas armas para fora das viaturas, além de utilizá-los durante as frequentes e letais operações policiais. Não por acaso, o estado concentra quase metade das apreensões de fuzil do país.

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O Estatuto do Desarmamento de 2003 representou um importante avanço no controle sobre as armas de fogo, mas foi desfigurado desde 2019. Mais de um milhão de novas armas foram compradas legalmente pela população civil, favorecendo o ingresso posterior nos mercados criminais. Nesse contexto, a retomada das restrições às armas foi a principal medida do atual governo federal na área de segurança. Também é digno de nota o aumento de apreensões de fuzis no Rio nos últimos anos. Mas isto ainda é pouco.

O controle de armas deveria ser estendido aos arsenais das forças de segurança e defesa, e a apreensão de armas deveria ser um recurso para as investigações. As medidas específicas são conhecidas: atualização do inventário e recadastramento das armas apreendidas, integração dos sistemas de rastreabilidade, cadastro e marcação uniforme das armas, uso do Sistema Eletrônico de Comparação Balístico, fortalecimento do Banco Nacional de Perfis Balísticos, dentre outras. Às medidas conhecidas, acrescentaremos mais três.

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Primeiro, o diálogo direto com as empresas (estrangeiras e nacionais) produtoras de armas e munições, assim como a elaboração de leis visando à corresponsabilização pela cadeia de produção e circulação de fuzis mediante sanções. Em seguida, o maior controle sobre as fronteiras. Por fim, a atuação de forças-tarefas e grupos especializados na investigação do mercado ilegal de armas.

Operações da Polícia Federal têm capturado grandes traficantes internacionais de armas e confiscado centenas de milhões de reais, e as investigações chegam a figuras conhecidas de facções, milícias, jogo do bicho e a policiais, mas apontam principalmente para grandes fornecedores que atuam acima das disputas territoriais. Maior investimento no desmantelamento dessas redes nos levaria a jogar luz sobre poderosos interesses envolvendo a malha entre legalidade e ilegalidade que vem impondo uma erosão institucional sem precedentes.

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Faz-se necessário o abandono dos discursos eleitoreiros a fim de que se possa desenhar uma efetiva estratégia nacional de desarmamento do crime. Isso depende do apoio à coordenação dos entes federativos, do compartilhamento do conhecimento acumulado e, sobretudo, da separação entre aqueles que são parte do problema ou da solução.

* Sociólogos do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF)



Conteúdo Original

2025-07-15 05:01:00

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