Se Guilherme Derrite fosse um transeunte laçado na Praça dos Três Poderes para redigir um projeto de combate ao crime organizado, teria sido compreensível a barafunda que ele produziu com as várias versões de seu relatório para o projeto de lei contra as facções criminosas.
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Infelizmente, Derrite é um veterano policial e secretário de Segurança do governador Tarcísio de Freitas, possível candidato a presidente da República. Mais: Derrite é um deputado federal e provável candidato ao Senado em nome do que seria um desejo do eleitorado por mais segurança. Foi laçado pelo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, para relatar o projeto de lei contra as facções criminosas.
Com quatro versões, Derrite produziu um monstrengo revelador dos interesses estabelecidos na máquina da segurança do país.
Tome-se como exemplo a limitação que Derrite quis impor à Polícia Federal (PF). Seu primeiro relatório estabelecia que a PF só poderia investigar depois de ter havido uma solicitação do governador do estado. Gracinha. Existem crimes federais, como o tráfico de armas e de drogas, mas a PF dependeria de uma licença dos governadores.
Se esse sistema existisse nos Estados Unidos do século passado, teriam continuado as execuções de ativistas que lutavam contra a bandidagem racista de estados do Sul. Quem viu o filme “Mississippi Burning” sabe do que se trata. A bandidagem racista operava com o apoio de governadores, juízes e policiais. Foi a Polícia Federal quem desarmou as tramas.
Lá, a Federal chama-se Federal Bureau of Investigation, o FBI. Foi dirigido de 1924 a 1972, quando morreu, por J. (de John) Edgar Hoover. Sujeito detestável, grampeava inimigos, chantageava políticos e presidentes. Solteirão misógino foi um mau exemplo, mas criou uma instituição, robusta e honesta (à sua maneira). Hoover foi um mau exemplo, mas criou e protegeu uma instituição exemplar.
Com esse nome, a Polícia Federal brasileira surgiu em 1967. Desde então, ela se tornou, de longe, a mais respeitada instituição policial do país. Derrite queria que ela pedisse licença aos governos estaduais para desempenhar suas funções. O deputado-secretário é capitão da reserva da PM paulista, onde fez fama na tropa de elite da Rota.
O Primeiro Comando da Capital (PCC) operava sua rede de postos de gasolina, empresas e fintechs de São Paulo há décadas. Graças à Operação Carbono Oculto, do Ministério Público e da Polícia Federal, parte dessa máquina foi desmontada, isso sem um só tiro. A Operação Escudo da polícia de Tarcísio e Derrite matou 28 pessoas num só mês de 2023. Quase todos pretos pobres e moradores da periferia.
Com sua proposta de emasculação da Polícia Federal, Derrite mostrou que, enquanto o crime está organizado, o governo de São Paulo tornou-se, na melhor das hipóteses, uma bagunça.
Bolsonaro, Lula e Pétain
Em 2018 discutia-se onde Lula deveria cumprir sua condenação. Deram-lhe uma solitária-light na Polícia Federal de Curitiba. Ficava sozinho numa sala com cama, mesinha e banheiro. Não podia deixá-la e para se comunicar com os carcereiros devia bater na porta.
Passaram-se sete anos, Lula foi exonerado pelo Supremo Tribunal, elegeu-se presidente da República e tem dois palácios em Brasília, e o assunto renasceu, com a prisão de Jair Bolsonaro. Ele está em prisão domiciliar, condenado a 27 anos de cárcere pelo STF.
O ministro Alexandre de Moraes parece disposto a testar o prisioneiro, um septuagenário de saúde e nervos abalados. Ele iria para uma ala-light da penitenciária da Papuda. Não se faz isso com um ex-presidente. Para quem detesta Bolsonaro, uma ala-light seria demais. Para quem gosta do ex-capitão, ele deveria cumprir a pena em casa como faz o ex-presidente Fernando Collor.
Em qualquer caso, como o de Lula, o Brasil deveria olhar para o exemplo que a França deu ao mundo ao encarcerar o ex-presidente Phillipe Pétain. Ele era um marechal octogenário que em 1940 assumira poderes ditatoriais depois da invasão alemã, em 1940. Caso clássico de traição nacional, estava condenado à morte. Foi colocado numa fortaleza, onde recebeu um quarto, com uma pequena sala anexa. Lá, Pétain morreu de causas naturais, em 1951.
Bolsonaro é um ex-presidente da República, levado ao poder pelo voto popular. Quando ele arrisca ser mandado para uma rotina semelhante à de um marechal usurpador e colaboracionista, alguma coisa está errada.
Flávio Bolsonaro é candidato a presidente da República. Como sucede a todos os candidatos da bancada oposicionista, seu principal adversário é o governador paulista Tarcísio de Freitas, que diz preferir a reeleição.
Com a prisão do ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto, alguns hierarcas de Brasília perderam horas de sono.
A PF diz que o doutor recebia uma mesada de R$ 250 mil da quadrilha que roubava aposentados. Ele não seria o único felizardo a receber mimos. Nenhuma quadrilha paga R$ 250 mil mensais a uma só pessoa.
O documentarista americano Ken Burns, mago que recontou a história da Guerra Civil e da Guerra do Vietnã, pôs no ar sua história da Revolução Americana, que terminou com a criação dos Estados Unidos.
São seis episódios filmados em 169 lugares. Com 26 entrevistas, Burns recolheu 18 mil imagens e 1.900 mapas.
Ele começa colocando George Washington num pedestal mais modesto.
A 4 de julho de 2026 a Declaração da Independência dos EUA completará 250 anos numa festa de grandiloquência trumpista. Dando voz a negros, índios e mulheres, Burns chegou antes, com mais equilíbrio.
Depois de Nova York, Seattle elegeu a ativista Katie Wilson, de 43 anos, prefeita da cidade.
Ela nunca havia disputado uma eleição.
O presidente argentino Javier Milei prometeu se afastar do Mercosul e cumpriu. Está detonando a instituição e aproximando-se dos Estados Unidos.
Nos anos 1990, durante o governo de Carlos Menem, a chancelaria argentina anunciou sua disposição de manter uma “relação carnal” com Washington.
Deu na ruína da dolarização.
2025-11-16 03:30:00


