Mais de 4 mil espécies de plantas e animais ameaçadas, uma extensa rede de rotas de tráfico e um mercado lucrativo em expansão. É com esse pano de fundo que delegações do mundo inteiro se reuniram na 20ª Cúpula sobre o Comércio Internacional das Espécies Ameaçadas de Extinção (Cites, na sigla em inglês), em Samarcanda, Uzbequistão, nas últimas duas semanas, para tentar redefinir limites e proteger espécies encurraladas. O encontro terminou nesta sexta-feira com novas proteções para muitas espécies amplamente visadas, mas também deixou a desejar em pontos considerados essenciais por especialistas ouvidos pelo GLOBO.
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A proteção de tubarões e raias — entre os animais com maior risco de extinção segundo a lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), principalmente devido à pesca excessiva, perda de habitat e mudanças climáticas — foi um marco desta edição. Mais de 70 espécies receberam proteções reforçadas, sendo que 11 delas (incluindo tubarões-baleia, raias-diabo e raias-manta) tiveram seu comércio totalmente proibido. O resultado foi descrito por organizações como a World Wide Fund (WWF) e Wildlife Conservation Society (WCS) como “a mais significativa vitória marinha em anos”.
Como explicou ao GLOBO o coordenador de Desenvolvimento do Projeto Baleia Jubarte, José Truda Palazzo, a Cites funciona com duas listas de espécies classificadas com o nível de ameaça que enfrentam: o Apêndice 1, que é de comércio internacional totalmente proibido, e o Apêndice 2, que são espécies em que o comércio internacional é restrito. Para negociar as espécies do Apêndice 2, os países precisam comprovar por meio de estudos que a atividade não prejudica a sobrevivência da espécie e que há controle e manejo suficientes para garantir sua conservação.
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— No geral, foi um resultado muito bom, principalmente para as espécies marinhas — disse Palazzo, que também é coordenador-geral do Projeto Tubarões da Baía da Ilha Grande. — Temos orgulho em dizer que o governo brasileiro foi fundamental nessas vitórias, porque copatrocinou as propostas de tubarões e raias e as apoiou firmemente nas discussões.
Entre outras espécies animais que saíram “vitoriosas” da cúpula estão os rinocerontes e elefantes, respectivamente os primeiros e terceiros na lista de mais traficados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), que tiveram a seu favor rejeições decisivas a propostas de flexibilização de comércio de marfim e chifres.
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Defensores da flexibilização argumentavam que a venda de reservas de marfim e chifres de rinocerontes poderia financiar a conservação, enquanto grupos de proteção animal alertavam que isso só estimularia o comércio ilegal. A Namíbia, que apoiava a proposta, dizia precisar dos recursos para evitar a perda de rinocerontes, a redução de seus habitats e o enfraquecimento das metapopulações.
As restrições ao comércio de girafas, em vigor apenas desde 2019, também foram mantidas, assim como a proibição do comércio de falcões-peregrinos.
Na avaliação do gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, o maior resultado para o país veio do pau-brasil, símbolo nacional amplamente utilizado na fabricação de arcos de violino. A espécie, criticamente ameaçada de extinção em razão da extração ilegal, perdeu 84% de sua população nos últimos 150 anos e conta atualmente com cerca de 10 mil indivíduos, muitos deles isolados e com baixa capacidade de regeneração, segundo dados do Governo Federal.
Apesar de a solução aprovada na Cites não ter reproduzido a proposta inicial de proibição total do comércio, o novo arranjo, que garante maior regulação da venda, “é uma vitória com significado simbólico, ambiental e cultural”.
— [A decisão] fortalece o controle comercial, garante maior rastreabilidade, reduz brechas para ilegalidade e, ao mesmo tempo, preserva o direito de músicos circularem e se apresentarem com instrumentos já fabricados legalmente — explica Santos. — Conservar o pau-brasil é preservar nossa história, patrimônio genético, música e identidade.
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Um desses casos é o da enguia. Alimento popular em muitos pontos da Ásia, a enguia europeia está catalogada como criticamente ameaçada de extinção e foi adicionada ao Apêndice 2 em 2009. Vários países queriam adicionar outras espécies de enguias na mesma categoria, mas a proposta foi rejeitada, com forte pressão feita pelo Japão, que consome grandes quantidades do animal.
— A implementação [dos acordos] seguirá sendo o maior desafio, pois as decisões aprovadas em plenária precisam se transformar em política efetiva em campo, e isso requer recursos, capacidade de fiscalização e cooperação internacional — finalizou Santos.
Criada em 1973, e em vigor desde 1975, a convenção conta atualmente com 185 países-membros, entre eles o Brasil, e é considerada um marco fundamental para a proteção dos animais e plantas mais ameaçados, com a regulamentação do comércio de quase 36 mil espécies. Segundo a IUCN, mais de 48 mil espécies estão ameaçadas de extinção atualmente.
Estima-se que o tráfico de espécies selvagens movimenta entre US$ 7 bilhões e US$ 23 bilhões (R$ 38 bilhões e R$ 125 bilhões) por ano, sendo um dos maiores mercados ilícitos do mundo, atrás apenas de drogas, produtos falsificados e tráfico de pessoas, segundo a ONG de conservação Traffic, com base no Reino Unido.
2025-12-06 00:00:00



