Crime organizado impõe escravidão

Há anos surgem no debate sobre segurança pública no Brasil vozes que, ao tentar explicar a criminalidade, terminam por justificá-la. Depois da megaoperação na Penha e no Alemão, alguns reapareceram com a velha tese de que o tráfico de droga


Há anos surgem no debate sobre segurança pública no Brasil vozes que, ao tentar explicar a criminalidade, terminam por justificá-la. Depois da megaoperação na Penha e no Alemão, alguns reapareceram com a velha tese de que o tráfico de droga é uma consequência inevitável da pobreza ou uma forma de economia de sobrevivência das favelas. Essa visão, embora pareça humanista, é a síntese do negacionismo no debate sobre segurança pública e prejudica a vida da população pobre que sofre com a tirania do crime organizado.

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A ideia de que a pobreza gera violência é um mito repetido há décadas. Se a miséria fosse gatilho automático para fuzil, a Índia, que tem renda per capita duas vezes menor que o Brasil, seria um país muito mais violento do que o nosso. Os dados, no entanto, mostram o contrário. Enquanto a Índia apresenta taxa de homicídios de 3 por 100 mil habitantes, a do Brasil é de 21 por 100 mil. Isso mostra que reduzir o criminoso a “vítima estrutural do sistema” é um determinismo econômico que despreza milhões de pessoas honestas que, vivendo sob as mesmas condições, escolhem o caminho do trabalho decente.

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Muitos ainda insistem em enxergar o traficante como caricatura ultrapassada do jovem preto, pobre e favelado que vende drogas ao “playboy” da elite. Esse personagem não existe mais. Embora continue sendo, em sua maioria, preto, pobre e oriundo da favela, ele hoje porta armas de guerra como o fuzil e integra organizações criminosas cuja atividade central deixou de ser a venda de drogas. Agora é o controle territorial, voltado à exploração econômica e à imposição de terror às próprias favelas.

Bairros inteiros no Rio de Janeiro e no Brasil sofrem com a tirania do crime organizado e vivem no meio de uma disputa sanguinária por território e poder. Jovens são cooptados pelas facções, meninas são exploradas sexualmente por criminosos, pessoas são torturadas e mortas se não seguirem as leis estabelecidas pelo crime. Da barricada para dentro, vigora um estado de exceção com um tribunal próprio, em que o acusador e o juiz são o próprio criminoso aterrorizando justamente os mais pobres.

É preciso enfrentar com coragem as narrativas que tentam naturalizar esse absurdo também no campo econômico. O argumento segundo o qual a economia do crime move a favela e, sem ela, haveria um colapso é a institucionalização do inaceitável. Aceitar a premissa de que o dinheiro sujo de sangue financia a economia local é legitimar a escravidão moderna imposta pelas facções. O crime não “move” a comunidade; ele a parasita e torna refém a maioria das pessoas de bem que lá habitam.

Dados do Instituto Data Favela mostram que as comunidades brasileiras têm renda total de R$ 300 bilhões, superior a 22 estados da Federação e a países como Bolívia ou Paraguai. Essa economia é sequestrada e extorquida pelo crime organizado por meio da aplicação de taxas no uso de serviços básicos, como internet, gás, comércio, transporte, venda irregular de casas e até fabricação de gelo. O cidadão de bem da favela que tem uma padaria e se recusa a pagar essa taxa morre.

O Estado não é inimigo da favela. Quem fecha escolas, impede ambulâncias, cobra taxa do gás, controla a internet e dita sentenças de morte não é a polícia — são as facções. O debate da segurança pública não comporta mais visões românticas sobre o crime enquanto milhares vivem sob uma tirania armada.

*Rodrigo Pimentel, capitão veterano do Bope, é coautor do livro “Elite da tropa”, que deu origem ao filme “Tropa de elite”



Conteúdo Original

2025-12-07 00:04:00

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