Com a Rua dos Protestantes, principal ponto da Cracolândia de São Paulo, esvaziada desde anteontem, dependentes químicos se espalharam por diversos locais do Centro da cidade. Em bairros como a Sé, Luz, Campos Elíseos, Liberdade, Santa Cecília e Bom Retiro, havia grupos e usuários andando de uma rua para outra, mas nada comparado à concentração anterior na região mais crítica. A Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) têm abordado essas pessoas para evitar a formação de uma nova aglomeração.
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Um dos pontos que agora concentram mais usuários é o Viaduto Vinte e Cinco de Março, próximo à rua famosa pelo comércio popular. Cerca de 50 pessoas consumiam crack e outras drogas ontem durante o dia. A poucos metros, havia uma base da PM.
O túnel sob a Praça Roosevelt também tem atraído mais dependentes. Ontem, havia uma concentração de cerca de 30 pessoas na parte mais escura e escondida da passagem subterrânea. No Bom Retiro, os arredores das ruas Solon e David Bigio também são pontos de uso de drogas. A sede do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) fica a poucos metros.
Na Rua Helvétia, grupos de usuários se concentravam mais nas esquinas das ruas Conselheiro Nébias e da Avenida São João. No Glicério, a presença de dependentes em algumas ruas não é novidade. Mas comerciantes relataram uma piora desde o mês passado. Na Avenida Rebouças, próximo ao acesso à Paulista, grupos de usuários estavam a menos de 200 metros de um carro da PM.
Se o esvaziamento da Rua dos Protestantes causou surpresa em quem vive ali, moradores e comerciantes de ruas adjacentes já sentem os reflexos da dispersão. O gerente de um bar na Praça Princesa Isabel relatou que há 15 dias nota um aumento na circulação de usuários, mas a situação ficou mais evidente na noite de terça-feira.
— O clima ficou tenso. Eles ficaram aqui durante a madrugada. A polícia vem e manda o pessoal embora, mas dá cinco minutos eles voltam — contou o senhor de 73 anos, que pediu para não ser identificado.
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A abordagem frequente de agentes da PM e da GCM para dispersar usuários foi relatada por outras pessoas como assistentes sociais e voluntários que distribuem refeições na região. Usuários afirmaram que essa seria a razão para não haver mais um “fluxo” — movimentação de dependentes — fixo.
Por volta das 8h de ontem, um grupo de cerca de 20 pessoas nos arredores da Praça Princesa Isabel foi abordado e revistado pela Guarda. Sentadas na calçada ou encostadas na parede, elas retiravam o que tinham nos bolsos e mochilas. Depois, os agentes mandaram que fossem embora. Um por vez, para evitar aglomerações. Volta e meia, porém, novos grupos voltavam a se formar no local. Nas avenidas Rio Branco, Duque de Caxias e São João, no Largo General Osório e nas ruas adjacentes, pessoas sozinhas ou em dupla usavam cachimbos de crack.
A prefeitura atribuiu a redução de pessoas na Cracolândia ao aumento de políticas públicas na região desde 2021. Foram 11.037 em abril, quase o dobro de janeiro, quando houve 6.742 ações. A prefeitura ainda destaca que fez mais atendimentos de saúde, passando de 5.532 em janeiro para 10.061 no mês passado. Entre janeiro e março “foram 7.525 encaminhamentos para serviços e equipamentos municipais, um aumento de 20% em relação ao mesmo período de 2024”, detalhou a administração municipal, em nota.
Já o governo estadual creditou a redução do fluxo a ações integradas, como o combate ao crime organizado, com apreensões de drogas e “prisões de lideranças que atuavam na área e o fechamento de estabelecimentos usados para lavar o dinheiro obtido com a venda de entorpecentes”.
A diferença de explicações indica como a prefeitura e o estado já disputam quem irá capitalizar eleitoralmente um possível “fim da Cracolândia”. No texto de quase mil palavras divulgado pelo governo sobre o esvaziamento da região, há dois comentários de Guilherme Derrite (PP), secretário estadual da Segurança Pública, menções ao trabalho das polícias Militar e Civil e elogios a equipamentos de saúde estaduais. O material não faz referência à prefeitura, que integra o grupo de trabalho criado para tratar do problema e tem atuado com assistentes sociais e agentes da GCM.
O fato passaria despercebido se não fosse a rivalidade entre Derrite e o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que passou a investir mais em segurança pública e fazer propaganda do programa de monitoramento por câmeras Smart Sampa. No horizonte, está uma disputa aberta pelo Palácio dos Bandeirantes em 2026.
— Não há nenhum problema, estamos em total integração — minimiza o secretário municipal de Segurança Urbana, Orlando Morando, responsável pela GCM.
‘Cardápio de demandas’
Ao analisar a dispersão da cracolândia nesta semana, o sociólogo Leonardo Pinho, integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), defendeu a integração das políticas públicas.
— A saúde sozinha não vai responder ao problema, nem a segurança sozinha. É necessário um programa continuado com um cardápio de soluções para demandas individualizadas. Algumas pessoas vão precisar de internação involuntária, outras de encaminhamento a unidade de acolhimento, outras da estratégia de moradia — diferencia.
Para Alan Fernandes, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sem políticas contínuas, não há metas ou métricas de avaliação de resultados e as ações seguem sem um objetivo claro.
— Já tivemos programas mais repressivos e outros mais progressistas. Ainda que possa haver sucessos pontuais, não houve política pública coerente e sustentável. Qual é o objetivo, ter menos usuários? Prender traficantes? Limpar a cracolândia? Pela ausência de estratégia, o resultado é sempre o mesmo. Precisa definir política pública permanente, orçamento.
(Colaboraram Samuel Lima e Lucas Altino)
2025-05-15 03:30:00