É comum que as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) se tornem palco de embates políticos, de olho nos holofotes e na opinião pública, em vez de nas respostas e soluções às questões que despertaram sua convocação. Foi por isso encorajadora a atitude do presidente da recém-instalada CPI do Crime Organizado, senador Fabiano Contarato (PT-ES). Em entrevista ao GLOBO, ele se disse comprometido com uma condução “técnica” dos trabalhos, para evitar que a CPI sirva de palanque voltado às eleições.
O plano de trabalho da CPI, elaborado pelo relator Alessandro Vieira (MDB-SE), é objetivo e aborda questões essenciais no combate às organizações criminosas que amedrontam o Brasil. Entre elas, a ocupação territorial por tráfico e milícias, a lavagem de dinheiro, a corrupção da máquina pública na esteira da atuação da criminalidade, fontes de financiamento e instrumentos para o Estado enfrentá-la de forma eficaz. Contarato foi uma escolha adequada para presidir a CPI. Ele tem experiência de delegado da Polícia Civil capixaba e de professor de Direito Penal. É visto como nome independente no PT, reconhece a dificuldade da esquerda para tratar de segurança pública e será secundado na vice-presidência por Hamilton Mourão (Republicanos-RS), general da reserva. Não são neófitos em segurança pública.
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É inevitável que a CPI suscite embates entre governo e oposição. Há divergências na própria mesa que conduzirá os trabalhos. Mourão e Vieira são favoráveis a classificar as facções criminosas como grupos terroristas, enquanto Contarato é contra, embora defenda o endurecimento de penas e outros ajustes na legislação. Diferenças de opinião fazem parte da democracia. O importante é não deixar que elas se transformem em pretexto para alimentar a polarização, movida pela lógica eleitoral.
O avanço do crime organizado é responsabilidade de vários governos, cuja omissão permitiu que organizações criminosas se espalhassem pelo país enquanto se conectavam com fornecedores de drogas no exterior e abriam rotas para distribuí-las noutros países. O negócio cresceu, se fortaleceu e, para enfrentá-lo, é preciso uma legislação adequada e um Estado bem articulado em todos os níveis federativos. Tramitam no Legislativo várias propostas com o objetivo de ampliar o poder estatal diante do crime. Se bem conduzida, a CPI poderá oferecer contribuições relevantes para aperfeiçoá-las.
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“Não há nada mais poderoso do que uma ideia quando seu tempo chega”, disse Contarato na entrevista. Várias iniciativas recentes apontam caminhos para coibir as facções criminosas. Há lições a extrair tanto da Operação Carbono Oculto, contra o PCC em São Paulo, quanto da incursão da polícia fluminense contra o Comando Vermelho nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio. Será essencial um plano robusto e unificado, capaz de asfixiar financeiramente os criminosos, mas também de retomar e reocupar o território por eles controlado, levando serviços públicos permanentes e retirando a população do jugo do crime.
“Passou da hora de o campo progressista assumir essa pauta, porque ela é apartidária”, disse Contarato. “Não pode ser exclusiva da direita ou de quem tem um perfil mais conservador.” Ele tem razão. A CPI será um bom teste para o Congresso. Os resultados concretos dirão se os representantes do povo estão à altura de enfrentar os desafios criados pelo crime organizado.
2025-11-10 15:49:00



