Conheça o palestino que liderou uma milícia, um grupo de teatro e uma fuga da prisão

Em janeiro deste ano, Zakaria Zubeidi foi solto da prisão israelense em que se encontrava, sem aviso prévio, proporcionando um momento de alegria raro e fugaz para os palestinos. Centenas se reuniram em Ramallah, na Cisjordânia, para comemorar sua chegada,


Em janeiro deste ano, Zakaria Zubeidi foi solto da prisão israelense em que se encontrava, sem aviso prévio, proporcionando um momento de alegria raro e fugaz para os palestinos. Centenas se reuniram em Ramallah, na Cisjordânia, para comemorar sua chegada, aplaudindo-o como a um herói na volta para casa. Gritavam seu nome enquanto ele dava os primeiros passos em liberdade, alguns inclusive carregando-o nos ombros. Um garoto segurava uma embalagem de gel de cabelo que Zubeidi lhe dera seis anos atrás, antes de ser preso.

— Quero mostrar ao tio que guardei isto aqui e só vou usar agora que ele está livre — disse Watan Abu Al Rob, de 11 anos.

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Zubeidi, de 49 anos, é o mais famoso entre os prisioneiros palestinos trocados por reféns israelenses durante a breve trégua na Faixa de Gaza, no início deste ano. No começo da década de 2000, ele inspirou os conterrâneos e aterrorizou os israelenses ao liderar um grupo militante afiliado à Fatah, rival secular do Hamas, chamando a atenção internacional quando, após vários anos, parou de lutar e ajudou a fundar um teatro. Preso uma década depois, consolidou a fama de lenda ao fugir por um túnel, ainda que recapturado praticamente em seguida.

Hoje, meses após sua libertação, Zubeidi é símbolo do sentimento de desesperança que permeia a vida palestina. Em uma conversa recente com o The New York Times em Ramallah — na primeira entrevista de peso em liberdade — revelou a sensação de que, no fim das contas, a vida de militante, líder teatral e prisioneiro se revelou inútil.

— Nada disso ajudou a criar um Estado palestino, e talvez nunca ajude. Temos que repensar nossas armas. Fundamos um teatro e tentamos a resistência cultural, mas de que adiantou? Pegamos em armas; tentamos lutar. Não há solução.

Para ilustrar seu argumento, tirou a dentadura que usa, revelando uma boca totalmente desdentada:

— Perdi os dentes e sofri fratura na mandíbula dessa última vez que fui preso. Aliás, já estava na cadeia quando o Hamas atacou a Israel, em outubro de 2023, mas depois daquilo passei semanas sendo espancado pelos guardas.

A descrição do tratamento que recebeu praticamente repete o testemunho de ao menos outros dez detidos desde o início da guerra entrevistados pelo jornal. Em comunicado, o serviço prisional israelense afirmou “não ter conhecimento de tais alegações e até onde se sabe, tais eventos não ocorreram”.

Filho de 21 anos morto em cidade dizimada

Sem acesso à imprensa, Zubeidi saiu depois de quase um ano e meio de conflito para descobrir que Gaza havia sido dizimada pelo contra-ataque. Encontrou boa parte de Jenin, sua cidade natal, no norte da Cisjordânia, destruída e vazia. Não teve acesso à própria casa, situada em uma área isolada pelo Exército israelense. O filho de 21 anos, também militante, havia sido morto em um dos ataques. A estratégia palestina parecia estar falhando em todas as frentes.

— Mas qual é a solução? Eu mesmo me questiono o tempo todo.

Quando começou na militância, ainda jovem, Zubeidi tinha um senso de missão bem mais definido. No início dos anos 2000, após o colapso das negociações de paz, ele se juntou a uma milícia em Jenin, acreditando que seria a melhor forma de alcançar a soberania palestina. Logo em seguida, um líder israelense, acompanhado por centenas de policiais, achou por bem visitar um importante complexo de mesquitas em Jerusalém, construído no local de um antigo templo judeu, o que foi considerado uma provocação. Diversos protestos e distúrbios eclodiram nas áreas árabes de Israel, provocando uma repressão mortal que o deixou horrorizado.

À medida que as manifestações se transformaram na revolta armada que ficou conhecida como a Segunda Intifada, Zubeidi se juntou à Brigada dos Mártires de Al-Aqsa, importante grupo armado afiliado à Fatah em Jenin, subindo rapidamente na hierarquia até se tornar líder.

Os israelenses o consideravam um terrorista. Os palestinos mataram cerca de mil israelenses durante os cinco anos do movimento, à medida que a revolta se transformava em marchas, bombardeios e ataques a ônibus, boates, hotéis e cafés. Zubeidi nega envolvimento em qualquer assassinato, mas foi acusado de ordenar vários dessas investidas, incluindo a ação no escritório de um partido político que matou várias pessoas. Acabou sendo acusado de 24 crimes, a maioria relacionada à violência, mas não se chegou a nenhum veredito antes de sua libertação. “É perigoso soltá-lo; espero que o Estado o persiga até o fim de seus dias”, desabafou Bella Avraham, esposa de uma das vítimas, à imprensa israelense logo após sua soltura.

Para os palestinos, no entanto, ele era o combatente que lutava pela liberdade, líder da defesa das terras palestinas contra um exército de ocupação. Os israelenses mataram cerca de três mil palestinos no mesmo período. Quando seu Exército invadiu Jenin em 2002, destruindo grande parte do bairro onde morava, Zubeidi liderou o esquadrão de homens armados que tentou repelir o ataque. Chamou a atenção internacional depois de aparecer no documentário, “Arna’s children”, que narra algumas de suas atividades paramilitares.

Com o tempo, adotou uma abordagem de luta mais sutil. Na tentativa de serenar os ânimos, em 2007 a liderança israelense ofereceu anistia a centenas de militantes, incluindo Zubeidi, sob a condição de que entregassem as armas. Ele aceitou, dizendo aos repórteres na época que a Intifada tinha fracassado, e mudou o foco para o teatro que tinha acabado de fundar com um ator israelense de esquerda e um ativista sueco. O Freedom Theater, em Jenin, organizava oficinas para jovens da cidade — programa que continua até hoje — e encenava adaptações de obras como “Esperando Godot” e “A revolução dos bichos”. Zubeidi não dirigiu nenhuma peça, mas seu envolvimento na administração ajudou a isolá-lo da oposição dos membros mais conservadores da comunidade.

— Eu continuava querendo acabar com a ocupação israelense, mas encarava meu envolvimento com o teatro como uma abordagem em evolução para alcançar esse objetivo. Não queria substituir ou renunciar à atividade armada, apenas lhe proporcionar um contrapeso intelectual e cultural. A imprensa disse que Zakaria passou da luta armada para a luta cultural — afirmou, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa. — Mas não se trata só de uma coisa ou só da outra. Como abri a porta do teatro? Eu a arrombei com o rifle.

Israel o acusou de violar os termos da anistia e voltou a prendê-lo em 2019, proporcionando a oportunidade para sua façanha mais memorável até então: enquanto aguardava julgamento, em 2021, escapou por um túnel de pouco mais de 30 metros que os companheiros cavaram no banheiro da cela.

Os seis fugitivos foram capturados e presos novamente em poucos dias e Zubeidi, condenado pela tentativa, mas a busca pela liberdade cativou os palestinos, garantindo-lhe o status de personalidade, e com direito a culto. Quando as bombas israelenses começaram a devastação do território, ainda havia murais enaltecendo sua fuga até nas paredes distantes da Cidade de Gaza.

No entanto, ele relembra o episódio com sua ambivalência característica, considerando-a necessária e contraproducente.

— Era impossível ficar ali preso, sem pelo menos nem tentar fugir. O prisioneiro que não pensa nisso não merece a liberdade. Fiquei dez minutos preso no túnel, um dos companheiros teve de me ajudar, mas quando finalmente senti o ar quente da noite na pele foi se a liberdade me inundasse as veias. No fim, a fuga acabou não servindo para nada. Sempre soube que terminaria morto ou seria recapturado.

Como era de se esperar, a polícia israelense o encontrou dias depois, escondido em um caminhão.

O episódio levou o serviço prisional israelense a impor condições mais duras aos prisioneiros palestinos, e o próprio Zubeidi foi colocado em confinamento solitário. Para ele, esse tipo de resultado é o exemplo do dilema enfrentado por todo palestino que se oponha a Israel por meios pacíficos ou violentos.

A Intifada não conseguiu derrubar Israel. Tampouco a Autoridade Palestina, que coopera com o país vizinho na administração das cidades palestinas na Cisjordânia, conseguiu alcançar a soberania com sua abordagem pacífica.

Para muitos israelenses, isso se deve ao fato de o órgão semiautônomo ser hipócrita, incompetente e fraco demais para ser confiável em termos de Estado; já para Zubeidi, o obstáculo é Israel, forte demais para ser derrotado com violência e egoísta demais para recompensar a parceria palestina genuína com a criação de um país.

— Não há solução pacífica nem militar. Por quê? Porque os israelenses não querem nos dar nada.

(Lia Lapidot contribuiu para a reportagem de Tel Aviv e Gabby Sobelman de Rehovot, em Israel)



Conteúdo Original

2025-08-15 14:44:00

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