como os cariocas enfrentaram a reação do crime à megaoperação no Alemão e na Penha

As imagens de chamas, da coluna de fumaça nas favelas e de ônibus e caminhões atravessados em importantes vias da cidade retrataram o caos no Rio, sitiado desde o início da manhã de ontem pela retaliação de criminosos à megaoperação


As imagens de chamas, da coluna de fumaça nas favelas e de ônibus e caminhões atravessados em importantes vias da cidade retrataram o caos no Rio, sitiado desde o início da manhã de ontem pela retaliação de criminosos à megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha.

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Ao longo do dia, o terror foi se espalhando de Norte a Sul da cidade e em municípios vizinhos. Escolas e universidades suspenderam as aulas, e o comércio fechou cedo em alguns bairros. Com medo da violência, trabalhadores anteciparam a volta para casa, superlotando o metrô, barcas, trens e pontos de ônibus, além deixar engarrafados grandes corredores de tráfego.

O Centro da cidade foi se esvaziando mais cedo do que o de costume. Na pressa em voltar para casa e com menos ônibus circulando, houve quem optasse por caminhadas de mais de uma hora e até por pular ou passar por debaixo de roletas na Central do Brasil para embarcar numa composição da SuperVia.

Notícias falsas tornaram o clima ainda mais tenso. Nas redes sociais, mensagens recomendavam não sair de casa. Algumas chegaram a afirmar que bandidos tinham fechado a Ponte Rio-Niterói, obrigando a concessionária a emitir um desmentido.

Ainda pela manhã, em entrevista coletiva, o governador Cláudio Castro deu o tom do que ainda estava por vir. Castro anunciou que o Rio estava “em estado de atenção e alerta para possíveis retaliações” de traficantes por causa da megaoperação.

— A polícia está toda na rua, e todos os batalhões estão em prontidão — avisou.

Pelo menos 28 vias foram bloqueadas parcialmente nas zonas Sul, Norte, Sudoeste e central da cidade, em Caxias, Nova Iguaçu e São Gonçalo — entre elas, as linhas Vermelha e Amarela, as rodovias BR-101 e BR-040 e a Autoestrada Grajaú-Jacarepaguá.

Segundo o Rio Ônibus — sindicato que representa as empresas da capital — 204 linhas foram impactadas e 71 veículos foram usados como barricadas.

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Na Zona Sul, onde um ônibus foi sequestrado e atravessado em plena Rua das Laranjeiras no início da noite, poucos coletivos trafegavam. Até mesmo por Copacabana.

— Nunca vi a Nossa Senhora de Copacabana tão vazia na hora do rush. Só passam alguns carros e pouquíssimos ônibus. Não vejo essa avenida assim nem nos fins de semana — contou o produtor audiovisual Daniel Carvalho, de 37 anos, morador do bairro.

Ponto lotado. Passageiros esperam por seus ônibus: 204 linhas foram afetadas e mais de setenta coletivos foram usados como barricadas após a megaoperação — Foto: Marcelo Theobald
Ponto lotado. Passageiros esperam por seus ônibus: 204 linhas foram afetadas e mais de setenta coletivos foram usados como barricadas após a megaoperação — Foto: Marcelo Theobald

Outra moradora da Zona Sul, a jornalista Fernanda Romano foi uma das passageiras que anteciparam o retorno para casa. Ela decidiu deixar o trabalho para buscar os dois filhos, de 8 e 11 anos, em uma escola na Gávea.

— Por mais que a Zona Sul tenha sido aparentemente menos afetada, decidi buscá-los mais cedo. Começa a circular um monte de notícias, e a gente fica com receio — explicou.

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Por precaução, a PUC-Rio, na Gávea, anunciou que suspendeu as atividades presenciais hoje. As aulas serão on-line. As unidades da academia Silva Gym, espalhadas pela cidade, também não abrirão. Ontem, a UFRJ, a Rural e a Uerj suspenderam as aulas.

Nos aeroportos, a situação não foi diferente. A microempresária Patrícia Nogueira, que voltava de férias com o marido e o filho de 4 anos em um voo de Curitiba, desembarcou no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) por volta das 14h30 e decidiu permanecer no terminal, sem condições de se deslocar.

Megaoperação. Cerca de  2.500 agentes participaram da ação de ontem, que resultou em prisões de envolvidos com o Comando Vermelho — Foto: Mauro Pimentel/AFP
Megaoperação. Cerca de 2.500 agentes participaram da ação de ontem, que resultou em prisões de envolvidos com o Comando Vermelho — Foto: Mauro Pimentel/AFP

— Chegaram a me oferecer um táxi. Mas vou pegar um táxi para onde? — questionou Patrícia, moradora da Zona Sudoeste.

A microempresária relatou que, após esperar com a família na praça de alimentação, tentou se hospedar no hotel do aeroporto. Mas o hotel já estava lotado com outros passageiros, que também optaram por aguardar no próprio terminal até que a situação nas ruas fosse normalizada.

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A cena se repetiu em outras áreas da cidade, evidenciando a mudança repentina na rotina dos moradores e o impacto nas operações de transporte e mobilidade urbana diante do clima de insegurança.

No meio da tarde, na Central do Brasil, mais de cem pessoas aguardavam condução, enquanto a rodoviária municipal estava praticamente vazia. Alguns tiveram que esperar mais de duas horas para conseguir transporte.

Foi o caso da auxiliar de serviços gerais Daniele Fernandes, de 40 anos. Moradora da Cidade de Deus, em Jacarepaguá, na Zona Sudoeste, ela permaneceu por horas, acompanhada de um grupo de amigas, aguardando um ônibus.

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— Trabalho no Centro. Na volta para casa, eu não tenho a opção de ir de trem ou metrô. No meu caso, só tenho ônibus mesmo. Estou no ponto há duas horas, esperando as linhas 348, 368 ou 343, e nada — contou Daniele.

Nas imediações de São Cristóvão, na Zona Norte, às 15h40, pelo menos 50 pessoas se aglomeravam em um ponto de ônibus. O consultor comercial Rodrigo Silva, de 32 anos, aguardava há mais de 20 minutos por um veículo da linha 247 (Camarista Méier-Passeio). O auxiliar de serviços gerais Leonardo Tertuliano, morador do Lins, também esperava pelo mesmo ônibus:

— Está difícil voltar para casa — lamentou.

Érica Rodrigues, de 38 anos, decidiu esperar por mais de 20 minutos por um ônibus da linha 232. Desistiu do transporte por aplicativo devido ao preço que ficou mais caro por causa da alta demanda.

— Estou indo para o Engenho Novo. Tentei carro e moto de aplicativo, mas a corrida está muito cara. O mínimo que pedem é de R$ 50 — reclamou.

Érica não foi a única a reclamar do preço alto do serviço por aplicativo. No Centro, em frente ao terminal rodoviário municipal, na Avenida Presidente Vargas, centenas de pessoas aguardavam pela chegada de coletivos às 17h.

Uma delas era a auxiliar administrativo Flávia Melo, de 47 anos, moradora de Del Castilho, na Zona Norte. Flávia alegou que o trem e o metrô, que seriam uma opção, estavam lotados. E que os carros e as motos de aplicativos estavam com valores muito elevados.

— Uma corrida por aplicativo está saindo por R$ 53; é caro demais. O jeito é esperar o ônibus. Costumo pegar as linhas 298, 292 ou 302, mas não passou nenhum desde às 16h — disse Flávia.

Quem procurou os trens e o metrô teve de enfrentar as composições lotadas. Na Central do Brasil, às 17h30, havia grandes filas nas bilheterias para a compra de passagens e nas roletas que dão acesso às plataformas de embarque. A operadora de loja Daniele Reis foi uma das que enfrentaram fila para trocar o ônibus pelo trem.

— Uso ônibus na volta para casa, mas hoje tive que optar pelo trem. Vou para Cavalcanti e o jeito é usar o ramal de Belford Roxo para chegar no bairro onde moro — disse Danielle.

No metrô na estação Central do Brasil, as composições também estavam lotadas. Mas não houve registros de tumultos.

Com os ânimos exaltados, na Avenida Presidente Vargas, na pista lateral sentido Zona Norte, próximo à Central, um homem com necessidades especiais chegou a discutir com um motorista de um ônibus, e, por pouco, não houve briga. A PM foi acionada, e a situação foi contornada.



Conteúdo Original

2025-10-29 06:36:00

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