Com expansão de novas rotas do tráfico, Pará já envia mais presos que o Rio ao sistema federal

Criadas em 2006 como uma resposta ao avanço do crime organizado, as penitenciárias federais, que abrigam hoje nomes da alta hierarquia do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) — maiores facções brasileiras, com origem em São


Criadas em 2006 como uma resposta ao avanço do crime organizado, as penitenciárias federais, que abrigam hoje nomes da alta hierarquia do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) — maiores facções brasileiras, com origem em São Paulo e Rio, respectivamente —, viram o perfil de seus internos se diversificar desde então. Além dos dois estados, o Pará supera os fluminenses e aparece como o segundo com mais presos entre os 549 que se encontram atualmente nessas unidades. Especialistas apontam que o fenômeno pode ter relação com a fragilidade do sistema prisional local e com a expansão da rota amazônica para a distribuição de cocaína, que aumentou a presença do tráfico na região.

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As estatísticas fazem parte de um levantamento obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto ao Ministério da Justiça pela Fiquem Sabendo, organização sem fins lucrativos especializada em transparência pública. Os dados mostram que são 68 presos com origem em São Paulo abrigados nas unidades de Brasília, Porto Velho (RO), Mossoró (RN), Campo Grande (MS) e Catanduvas (PR). Na sequência, vêm Pará (61), Rio de Janeiro (52), Mato Grosso do Sul (40) — outro estado importante para a venda de entorpecente por conta da fronteira com o Paraguai — e Rio Grande do Norte (32), além de 70 detentos sobre os quais não consta a informação.

A participação em “incidentes de fuga, de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem” é um dos motivos que justifica a solicitação dos estados sobre o envio de um detento a uma prisão federal, conforme o Decreto 6.877, de 2009. É o caso de Luziel Barbosa, condenado em 2024 a 396 anos de prisão por ser um dos mandantes de 58 das 62 mortes do Massacre de Altamira, ocorrido em 2019 em uma unidade prisional do município paraense.

As execuções foram motivadas por uma disputa entre o CV e a facção Comando Classe A (CCA) pelo controle da cadeia estadual, descrita em um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) da época como “superlotada” e em “péssimas condições”. Barbosa não foi o único a ser transferido. Na época, o governo do Pará anunciou o envio de 30 lideranças criminosas para presídios federais fora do estado.

— Podemos ter uma situação em que o estado tenha buscado mais apoio federal — especula o advogado Felippe Angeli, coordenador de advocacy da Plataforma JUSTA, organização que pesquisa o sistema judiciário, que destaca ainda o “histórico de rebeliões e massacres” no sistema prisional do Pará ao analisar a distribuição de detentos nas unidades geridas pela União.

Dados obtidos pela organização Fiquem Sabendo mostram perfil dos presos em penitenciárias federais — Foto: Arte O Globo

Procurada, a Secretaria de Estado e Administração Penitenciária do Pará disse que a transferência de detentos é “uma medida estratégica” adotada pelo governo local “para garantir a estabilidade e a segurança do sistema prisional estadual”. “A custódia desses internos no SPF contribui diretamente para o enfraquecimento de organizações criminosas ao desarticular suas redes de comando e dificultar a continuidade das atividades ilícitas”, sustentou a secretaria.

Angeli lembra que São Paulo, embora apareça com a maior fatia dos presos, não tinha a transferência como prática comum no passado. O marco da guinada é o envio de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, principal liderança do PCC, da penitenciária de Presidente Venceslau para o presídio federal de Porto Velho em 2019. Na ocasião, outros 21 membros da facção também foram transferidos. Um dos motivos foi a descoberta de um suposto plano de fuga de parte do grupo.

— Por questões políticas, São Paulo relutava em pedir a ida para o sistema penitenciário federal. Era uma perspectiva de que não precisava de ajuda e tinha controle dos presídios. Isso só mudou recentemente — diz o pesquisador.

‘Servem a outro propósito’

A socióloga Julita Lemgruber, ex-diretora do Departamento do Sistema Penitenciário do Rio, destaca que os principais estados de origem dos presos não coincidem com aqueles que somam mais registros de crimes violentos intencionais no anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2024. São Paulo, Pará e Rio registraram, respectivamente, 7,8, 32,8 e 26,6 mortes por cem mil habitantes, índices menores do que os de Pernambuco (40,2), Amapá (69,9) e Bahia (46,5), por exemplo.

— São os crimes mais graves pelos quais alguém pode ser acusado, como homicídio doloso e latrocínio. Então, claramente, esses presos não estão nas unidades federais necessariamente pela gravidade do delito. Elas servem a um outro propósito — frisa a socióloga.

Lemgruber chama atenção também para o perfil etário dos detentos no sistema federal. Mais de 400 dos 549 internos têm entre 31 e 50 anos:

— Nos estados, os presos tendem a ser mais jovens. Isso revela que, para as unidades federais, você encaminha os presos conhecidos do sistema, com já alguma história.

O material obtido via LAI também detalha os crimes cometidos por esses presos. O principais é o roubo, que levou 145 deles a parar atrás das grades. Em seguida, aparecem tráfico de drogas (107), homicídio (81) e latrocínio (37). O fato de um crime patrimonial superar outras ilegalidades em tese mais vinculadas à atividade das facções, como a venda de entorpecente, não surpreende os especialistas:

— Em São Paulo, o PCC tem todo um suporte aos roubos. Ele é um grande fornecedor de recursos, com equipamentos para cometimento desses crimes — destaca Felippe Angeli.

Segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), as cinco penitenciárias federais contam com captação de som ambiente e monitoramento de vídeo para vigiar os detentos, além de regimes mais rígidos de isolamento e visitação. Cada uma tem capacidade para receber 208 detentos e opera hoje consideravelmente abaixo da capacidade máxima, ao contrário do que ocorre nas principais cadeias estaduais do país.

Além dos casos de participações em fugas ou rebeliões, também estão aptos a serem enviados ao sistema bandidos tidos como lideranças de facções ou membros de quadrilhas responsáveis por cometerem crimes violentos reiteradamente. A transferência para essas unidades é considerada excepcional e depende de solicitação do Ministério Público, da autoridade administrativa ou do próprio preso.

A criação dessas penitenciárias teve como objetivo anunciado desarticular organizações criminosas atuantes no país ao mandar seus principais nomes para longe do estado de origem e isolá-los. Alguns pesquisadores, contudo, veem resultado oposto, culpando parcialmente o modelo pela nacionalização das facções.

— Os estados enviam para as penitenciárias federais com a expectativa de que com isso eles se articulem menos, mas o contato entre nomes de diferentes estados acaba ampliado — sustenta Lemgruber.



Conteúdo Original

2025-07-15 03:30:00

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