Assassinato de influenciadora reacende debate e pressiona premier italiana por políticas em prol das mulheres

Uma questão que se arrasta por décadas na Itália, a batalha contra o feminicídio ganhou mais um capítulo nos últimos meses. A morte da modelo e empresária Pamela Genini, de 29 anos, em outubro, cujo principal suspeito é o ex-namorado,


Uma questão que se arrasta por décadas na Itália, a batalha contra o feminicídio ganhou mais um capítulo nos últimos meses. A morte da modelo e empresária Pamela Genini, de 29 anos, em outubro, cujo principal suspeito é o ex-namorado, Gianluca Soncin, de 52 anos, que teria entrado em seu apartamento e a esfaqueado até a morte, fez com que a opinião pública se voltasse para o tema. Em meio à comoção gerada pelo caso, que envolve uma influenciadora bem sucedida de Milão, opositores da premier Giorgia Meloni — primeira mulher a ocupar o cargo, há três anos — passaram a questionar se ela faz tanto pelo público feminino quanto esperavam de seu governo.

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Até o episódio que envolveu a morte de Genini, a Itália registrava 71 casos de feminicídio — geralmente definido como quando uma menina ou mulher é morta por causa de seu gênero, muitas vezes por um parceiro íntimo atual ou ex — este ano, noticiou a CNN. Os números são do observatório Non Una Di Meno (Nem Uma A Menos, em tradução livre), que mantém um registro desses assassinatos. Mais quatro mulheres foram mortas desde Genini, de acordo com o grupo, incluindo Luciana Ronchi, de 62, e Vanda Venditti, 80. E mais seis casos estão sendo examinados.

No ano passado, foram 116 casos, o que segundo a organização representou uma ligeira diminuição em relação aos dois anos anteriores.

O governo Meloni aprovou uma legislação anti-perseguição relacionada a casos pregressos de feminicídio e incluiu a violência doméstica como fator agravante nas sentenças. Na prática, condenados por agressões no âmbito doméstico podem receber penas maiores, chegando à prisão perpétua em determinadas circunstâncias. Mas muitos afirmam que a primeira-ministra deixou a desejar no campo da prevenção.

Há uma semana, o Ministério da Educação apresentou um projeto de lei que mantém a atual proibição do ensino de educação sexual em creches, escolas primárias e secundárias. Para especialistas, e até mesmo para a ONU, esse tipo de currículo é essencial para introduzir debates sobre violência doméstica e consentimento entre jovens, funcionando como uma ferramenta de prevenção — o que torna a decisão alvo de críticas. A Itália segue como um dos poucos países do velho continente sem educação sexual obrigatória na rede pública.

— Ao passo que a Europa avança, a Itália está voltando à Idade Média — criticou na semana passada o parlamentar Alessandro Zan.

Após assumir o poder, Meloni rebatizou o antigo Ministério da Igualdade de Oportunidades como Ministério da Família, Taxa de Natalidade e Igualdade de Oportunidades. Ela defende a manutenção da proibição ao ensino de educação sexual como uma forma de barrar o que chama de “teoria woke” nas escolas. Enquanto grupos de oposição afirmam que impedir o acesso dos jovens a noções básicas de educação sexual mantém o país preso a estruturas patriarcais.

Segundo a CNN, o gabinete de Meloni recusou pedido de comentário sobre o tema, embora a primeira-ministra já tenha negado ser contrária à promoção dos interesses das mulheres. Mãe solteira que defende a família tradicional, a líder conservadora afirma que é “ridículo” acusá-la de não fazer o suficiente pela pauta.

“São notícias falsas contra mim”, disse recentemente em um discurso publicado no TikTok.

Meloni também costuma enfatizar a promessa de seu governo de ampliar os direitos dos pais e oferecer incentivos fiscais às famílias conforme o número de filhos, enquanto o Ministério da Família, Taxa de Natalidade e Igualdade de Oportunidades igualmente se recusou a comentar.

Disparidade de gênero também preocupa

Não é apenas o risco de violência doméstica que torna a vida das mulheres na Itália especialmente difícil. Os indicadores de igualdade, que envolvem empregabilidade, perspectivas de formar família e confiança no futuro, vêm se deteriorando. Em 2024, a já baixa taxa de natalidade italiana recuou novamente, chegando a 1,18, o 16º ano seguido de queda, segundo o instituto nacional de estatística, o ISTAT. Dados provisórios referentes aos sete primeiros meses de 2025 apontam redução ainda maior, para 1,13.

Apesar desse cenário, mulheres seguem sendo responsabilizadas por não terem filhos — inclusive pela própria Meloni, que promoveu legislação criminalizando a barriga de aluguel e liberou ativistas antiaborto para atuarem em clínicas, ao mesmo tempo em que defende a família tradicional. Há dois anos, ela afirmou que mulheres jovens estariam sendo pressionadas a priorizar a carreira e adiar a maternidade. Críticos rebatem dizendo que seu governo pouco avançou na oferta de creches acessíveis, promessa feita ainda durante a campanha de 2022. Ao contrário: os planos para ampliar vagas em creches acabaram retirados de seu primeiro orçamento.

O ISTAT aponta diversos fatores para o declínio da natalidade, como a redução do número de possíveis futuros pais — consequência direta do baixo volume de nascimentos desde os anos 1970. O órgão ressalta ainda que a insegurança no mercado de trabalho, marcada por contratos temporários e salários baixos, pesa de forma significativa na decisão de ter filhos.

No campo da igualdade de gênero, a situação também é desfavorável. O Relatório Global de Desigualdade de Gênero 2025, do Fórum Econômico Mundial, coloca a Itália na 85ª posição entre 148 países considerando participação econômica, oportunidades, educação, saúde e empoderamento político. Mesmo tendo subido duas posições desde a eleição de Meloni, o país segue entre os piores da Europa. A participação econômica feminina sofreu queda expressiva: a Itália agora está em 117º lugar, seis posições abaixo do relatório de 2024.

A taxa de participação de mulheres no mercado de trabalho caiu nos últimos dois anos para 41,5%, enquanto a dos homens se aproxima de 60%. De acordo com o relatório, italianas podem ganhar até 40% menos que italianos em determinados setores. A sub-representação também se reflete nos cargos de liderança: apenas 39% das posições gerenciais são ocupadas por mulheres, e só 7% das empresas têm CEOs do sexo feminino, segundo levantamento do Observatório de Mulheres Executivas da Bocconi School of Management.

Elly Schlein, líder do Partido Democrático, principal sigla de oposição, é uma das vozes mais duras contra o governo Meloni nesse tema. Na semana passada, ao comentar em um programa de TV os novos cortes orçamentários em debate no Senado, afirmou:

— As mais afetadas são as mulheres. Quando se corta o bem-estar social, as escolas e os serviços para pessoas com deficiência, o peso dos cuidados recai sobre as famílias e, dentro delas, sobre as mulheres.

Mas nem todas compartilham dessa visão. Em um café no centro de Roma, Beatrice Costa, com o bebê de seis meses no colo e o filho de três anos em uma creche pública próxima, diz estar satisfeita com a primeira-ministra. A ela, contou à CNN, Meloni trouxe um sentimento de “permissão para ser mãe”. Formada em comunicação, Costa relata ter crescido sob forte pressão para priorizar a carreira antes de pensar em família.

— A pressão para não ter filhos é forte, a pressão para trabalhar fora de casa, para desistir do sonho de ter uma família, para apenas ter um cachorro, é difícil de combater — pontua a mulher, acrescentando: — Não sei se tivemos um segundo filho pelo foco dela na família tradicional ou se teríamos de qualquer maneira, mas estou feliz por ter o empoderamento para ser mãe.

Embora ela ainda reconheça que isso só é possível porque o marido tem um bom emprego como contador e porque os pais deram ao casal uma casa e ajudam nos cuidados com as crianças.



Conteúdo Original

2025-11-19 00:01:00

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