A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou, na terça-feira (23), a volta da “gratificação faroeste”, um bônus pecuniário para policiais civis que matarem criminosos. A emenda foi inserida no projeto que altera a estrutura das carreiras e regulamenta vantagens na Polícia Civil, enviado pelo governador Cláudio Castro (PL). Os deputados já estudam ampliar a proposta para a Polícia Militar, o que deve ser debatido na semana que vem.
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Pelo texto aprovado, o governador pode conceder “premiação em pecúnia, por mérito especial” de 10% a 150% dos vencimentos do policial “em caso de apreensão de armas de grande calibre ou de uso restrito em operações policiais, bem como em caso de neutralização de criminosos”. Foram 45 votos favoráveis e 17 contrários. Procurado, o governo não informou se pretende sancionar ou vetar o texto. Castro tem até 15 dias para tomar a decisão.
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— Eu vejo como muito positivo o projeto, tanto para a sociedade quanto para a Polícia Civil, e vamos lutar para implantar também na Polícia Militar, porque a gente tem visto que os marginais, o tráfico, eles perderam o medo, perderam o respeito. E essa também é uma forma de valorizar aqueles que estão na ponta, para que eles se sintam valorizados quando eles vão para a rua. Os bandidos precisam ser abatidos. Com esse projeto, eles vão temer. Vão saber que podem tomar um tiro e morrer — defende Marcelo Dino (União), PM reformado e um dos autores da recriação da “gratificação faroeste”.
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A proposta inicial enviada pelo Palácio Guanabara não previa o retorno da bonificação aos policiais civis. Uma emenda acabou sendo inserida pelo relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Rodrigo Amorim (União), que também é líder do governo na Alerj. Das mais de 400 emendas apresentadas pelos deputados, três buscavam a recriação da gratificação. Elas foram assinadas por Amorim, Marcelo Dino, Alexandre Knoploch (PL), Alan Lopes (PL), Célia Jordão (PL) e Dionísio Lins (PP).
O texto substitutivo ao projeto de Castro foi apresentado ontem aos deputados e não passou por discussão da CCJ. Como a proposta foi votada em regime de urgência, o parecer e a aprovação da comissão foram dados em plenário no mesmo dia.
A antiga “gratificação faroeste” — que incluía promoção por bravura e prêmios em dinheiro — foi instituída em 1995, no governo Marcello Alencar. Com ela, policiais civis e militares e bombeiros recebiam aumentos salariais de 10% a 120%. Três anos depois, uma lei de autoria de Carlos Minc (PSB) derrubou a bonificação. Os agentes receberam a chamada pecúnia — valor acrescido ao salário — até o ano 2000.
O benefício causou polêmica na época. Para seus opositores, a gratificação — concedida nos casos de participação em tiroteios, de prisão ou de morte de criminosos — incentivava a violência.
— Há até pouco tempo, tínhamos a polícia que mais matava e a que mais morria. Qualquer coisa que se assemelha ao retorno dessa gratificação é periclitante. Não sou contrário que se estimule a apreensão de armas e as prisões de criminosos, mas sem que se pague pelas mortes — defendeu Minc.
Para a deputada Renata Souza (PSOL), contrária ao projeto, um dos impactos da gratificação tende a ser a redução do nível de esclarecimentos de crimes praticados por policiais.
— Os efeitos, na verdade, são danosos para a sociedade. Afinal de contas, gratificar quem mata vai nos colocar numa situação em que o agente tem carta branca para cometer um crime. Hoje, por exemplo, se já não temos investigações efetivas no caso de violência policial, essa situação tende a se agravar. O que a Assembleia Legislativa aprovou hoje trará um prejuízo enorme. Essa será uma licença para matar. É uma ação que fere diretamente a Constituição brasileira, porque é uma espécie de pena de morte — argumenta.
Pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Leonardo Silva levantou todas as premiações da época e constatou que mais de seis mil agentes foram beneficiados, cerca da metade deles policiais militares. Ele lembra que, agora, o Estado do Rio precisa cumprir as determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) no contexto da ADPF das Favelas. O voto do relator Edson Fachin, que foi fruto de um acordo aceito pelo governo fluminense, estabelece que as corregedorias das polícias têm que concluir em até 60 dias as investigações de mortes em confrontos com agentes.
— Durante a vigência da “gratificação faroeste”, tivemos uma normalização do uso descontrolado da força. Com o que foi decidido pelo Supremo, essa gratificação é viável? — questiona o pesquisador.
Coronel da reserva e ex-chefe do Estado-Maior da PM, Robson Rodrigues também critica o texto aprovado pelos deputados:
— É um retrocesso. Você estimula a execução extrajudicial sem o processo punitivo. Os valores de uma instituição policial não podem ser a morte. Ela é o resultado de uma situação crítica.
Um outro artigo do projeto aprovado ontem proíbe que delegados da Polícia Civil assumam a chefia de corporações que tenham como finalidade fazer o policiamento ostensivo ou comunitário. Defendida por aliados do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (União), esse dispositivo foi aprovado por 37 votos a 21 e foi batizado nos corredores de Emenda Brenno Carnevale.
Caso sancionada, a alteração deve tirar Carnevale — delegado cedido à Prefeitura do Rio — do comando da Força Municipal de Segurança, divisão de elite da Guarda Municipal que atuará armada. Nos bastidores, deputadores admitem que a emenda foi apresentada para atingir o principal projeto municipal na área de segurança, tema que domina o debate político no Rio. Assim como o prefeito Eduardo Paes (PSD), Bacellar é pré-candidato ao governo estadual.
O projeto de reestruturação da Polícia Civil reduz de 11 para sete o número de cargos na corporação, além de regulamentar 17 vantagens, como o adicional de atividade perigosa de 230% sobre o vencimento-base.
2025-09-24 04:30:00