Ao converter em preventiva a prisão do empresário René da Silva Nogueira Junior, acusado de matar a tiros o gari Laudemir de Souza Fernandes nesta terça-feira, em Belo Horizonte (MG), o juiz Leonardo Vieira Rocha Damasceno citou haver “diversos elementos que fundamentam a legalidade” do flagrante. O magistrado destacou que, após a comunicação do crime, equipes da Polícia Militar se engajaram numa “perseguição ininterrupta” do suspeito — não só física, mas com análise de câmeras de segurança, oitiva de testemunhas e levantamento da placa do carro.
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Na decisão em que manteve o acusado preso, Damasceno destacou que o empresário foi localizado e abordado numa situação que fazia presumir ser ele mesmo o autor da infração, em posse do veículo utilizado no crime e na fuga.
“Além disso, antes da condução à delegacia, uma fotografia do autuado foi enviada às testemunhas presenciais, que “o reconheceram prontamente como sendo o autor do disparo”. As características físicas precisas do autuado (claro, alto, forte) eram compatíveis com as descrições detalhadas fornecidas pelas testemunhas do crime”, acrescentou.
O Ministério Público havia solicitado que o empresário permanecesse preso preventivamente. Já a defesa do suspeito pedira o relaxamento da prisão por “não encontrar indícios que justificassem a prisão preventiva, como o acusado ser réu primário, ter bons antecedentes e residência fixa”. O juiz Leonardo Damasceno acolheu os argumentos da acusação.
No local do crime, foram coletadas uma munição intacta e uma deflagrada, ambas de calibre .380. Foi o próprio acusado, ressaltou o magistrado, quem admitiu aos policiais que a mulher dele, a delegada Ana Paula Balbino Nogueira, possuía uma pistola calibre .380. O armamento foi apreendido na residência do casal. O juiz destacou que a “perseguição” policial e os demais elementos colhidos na apuração sustentam a situação de flagrante.
“Portanto, a combinação da perseguição ininterrupta com a localização do suspeito na posse do veículo utilizado no crime e seu reconhecimento pelas testemunhas, tudo no mesmo dia dos fatos, caracteriza o estado de flagrante delito, já que o autuado foi encontrado logo após a prática delitiva, em situação que fez presumir ser ele o autor do crime”, escreveu o juiz.
Em sua decisão, Damasceno relatou a sequências de fatos, desde os disparos contra Laudemir até a prisão de René. O juiz disse que, de acordo com a Polícia Militar, as equipes receberam um chamado por volta das 9h desta terça “para uma ocorrência de homicídio decorrente de uma discussão de trânsito no Bairro Vista Alegre”. Ao chegarem ao local, os agentes encontraram o gari ferido e o levaram para o Hospital Santa Rita, em Contagem, onde a morte foi declarada.
Por meio de câmeras de segurança, os policiais conseguiram identificar a marca, o modelo e as iniciais da placa do veículo utilizado. A motorista do caminhão de lixo que trabalhava na hora do crime com Laudemir forneceu mais uma letra e os dois últimos números da placa, o que permitiu a identificação do carro.
“Em posse das características do autor e da placa do veículo, iniciou-se um intenso rastreamento. O veículo foi localizado trafegando na Avenida Raja Gabaglia, sendo o condutor, um homem claro, alto e forte, compatível com a descrição do autor do disparo. A abordagem ocorreu no estacionamento de uma academia na mesma avenida”, disse o juiz.
O suspeito negou envolvimento no crime, mas, ao ser questionado, disse ser casado com a delegada Ana Paula Balbino Nogueira, da PCMG. Ele admitiu ainda que na residência do casal havia uma arma de fogo calibre .380, do mesmo calibre das munições encontradas no local do crime. Uma foto do abordado foi enviada às testemunhas, que o reconheceram como o autor do disparo.
A mulher do suspeito compareceu ao local da abordagem, se identificou como delegada e autorizou buscas no veículo. Nada de ilícito foi encontrado. As testemunhas disseram aos policiais que o autor do crime se irritou “com a retenção do trânsito” e passou a fazer ameaças. Ele deixou o carregador cair e o recolocou na arma, o que gerou a ejeção de uma munição intacta, antes de atirar no gari.
As testemunhas afirmaram que não houve discussão e que apenas tentavam auxiliar o autor a passar com seu veículo.
“O crime foi cometido em plena luz do dia, por motivo fútil, uma aparente irritação decorrente de uma breve interrupção no trânsito causada por um caminhão de coleta de lixo. A desproporcionalidade e a frieza da ação, na qual o autuado, após uma breve discussão, deliberadamente sacou uma arma de fogo, a preparou para o disparo e atirou contra um trabalhador que exercia seu ofício, uma atividade pública essencial de limpeza da cidade, demonstram uma periculosidade acentuada e um total desrespeito pela vida humana. Tal conduta abala profundamente a tranquilidade social e gera um sentimento de insegurança na comunidade, indicando que a liberdade do autuado, neste momento, representa um risco real à ordem pública”, destacou o juiz, sobre a necessidade de manter a prisão.
René foi passear com cachorros e treinar após o crime
René foi embora de “forma tranquila” do local do crime, após efetuar os disparos, segundo os investigadores. Em entrevista coletiva nesta terça-feira, os agentes da Polícia Civil de Minas Gerais disseram que o suspeito foi para a academia e ainda passeou com os cachorros após o episódio.
— Ele relatou o dia dele, que saiu de casa às 8h07, contou do itinerário na empresa e o do almoço, onde ele retornou à casa dele. Teria trocado de roupa, desceu com os cachorros para passear com os cachorros e depois foi para a academia, onde foi abordado — contou o delegado Evandro Radaelli, afirmando ainda que o empresário negou qualquer participação no crime.
Segundo a polícia, mesmo alterado por conta da discussão, o empresário não mostrou desespero ou nervosismo após o assassinato. As afirmações dos delegados foram baseadas nos depoimentos colhidos com os garis:
— Todas as testemunhas foram uníssonas ao afirmar que o autor estava muito alterado. Eles pediram paciência para o autor, porque era uma rua estreita com carros estacionados dos dois lados, mas ele não quis esperar. Começou a esbravejar, a motorista manobrou o caminhão e pediram para ele passar. Ele passou, freou o carro bruscamente, voltou e deu um golpe na arma. O carregador caiu, ele reinseriu o carregador, apontou para a vítima, disparou e foi embora caminhando de forma tranquila, mas com aquele semblante de bravo — relatou o delegado Matheus Moraes Barros.
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Polícia investiga se arma de delegada foi usada em crime
A polícia chegou ao autor dos disparos através do relato de testemunhas, que o reconheceram, e também das informações da placa do carro. Os agentes apreenderam ainda uma arma da esposa de René da Silva Nogueira Junior, a delegada da Polícia Civil Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, para analisar se os disparos foram feitos com ela.
Ainda na coletiva, o delegado Saulo Castro, porta-voz da Polícia Civil de Minas Gerais, garantiu que a Corregedoria da corporação abriu um Processo Administrativo Disciplinar para investigar se o empresário tinha acesso à arma da delegada e se ela sabia do crime. Em depoimento, ela negou saber da participação dele no crime. Por enquanto, sem nada que ligue ela ao assassinato, a agente continuará em seu cargo.
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O caso aconteceu nesta segunda-feira em Vista Alegre, no Oeste da capital mineira. O boletim de ocorrência aponta que René dirigia um carro da marca BYD quando, por volta das 9h, se aproximou de um caminhão de lixo, que vinha na direção contrária. O motorista do veículo teria ameaçado a condutora do caminhão e dito que iria “atirar na cara dela”, caso não desse passagem. Na sequência, ele teria disparado contra os garis e atingido Laudemir.
O gari foi atingido no peito. Ele chegou a ser levado para um hospital de Contagem, mas não resistiu aos ferimentos. O corpo foi levado ao Instituto Médico-Legal (IML), submetido a exames e, posteriormente, liberado aos familiares.
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René foi preso horas depois em uma academia de alto padrão do bairro Estoril. Ele foi encaminhado ao sistema prisional e vai responder pelos crimes de ameaça e homicídio qualificado, por motivo fútil e uso de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima.
O GLOBO ainda não conseguiu contato com a defesa de René. Pelo Instagram, o prefeito de BH prestou solidariedade à família do gari, que trabalhava para uma empresa terceirizada, a Localix Serviços Ambientais, que lamentou a perda e chamou o caso de “violência injustificável”.
2025-08-13 11:56:00