Aurora Visage, de 24 anos, faz parte da estatística que revela como o crime no Rio tem hora e lugares para acontecer. Esfaqueada ao menos seis vezes durante um assalto dentro de um ônibus da linha 472, próximo ao Teatro João Caetano, no Centro, em 2024, ela é um dos rostos por trás da violência mapeada pelo GLOBO no Mapa do Crime, com base em dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Leia a seguir o relato de Aurora:
“O Centro do Rio não é exatamente o lugar mais seguro à noite. Descobri isso da pior forma, em novembro do ano passado, quando fui esfaqueada ao menos seis vezes dentro do ônibus 472, aquele que faz o trajeto Leme–Triagem. Era por volta das 20h30. Ia para uma aula de dança e, como naquele dia não tinha dinheiro para chamar um carro por aplicativo, resolvi ir de transporte público.
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Moro no Engenho Novo, na Zona Norte do Rio, e, naquele dia, o carro por aplicativo estava mais de R$ 30 para ir até o local. Fui de ônibus, o 474, até São Cristóvão, depois embarquei num novo coletivo, o 472, que estava quase vazio, para chegar ao estúdio de dança, onde faço aula de performance em Ballroom. Nas imediações do Teatro João Caetano, três homens armados com facas entraram pela porta de trás. Eles cobriram as câmeras com folhas de jornal. Começaram ameaçando os passageiros do fundo e foram avançando para a frente do veículo, onde eu estava. Só percebi que algo estava errado quando um deles me encarou, já que eu estava com fones de ouvido.
Eles roubaram uma senhora que estava nos fundos, um casal, e, em segundos, eu estava cercada. Dois apontavam facas para o meu pescoço e a barriga. O terceiro pressionava uma lâmina contra minha cintura. Falaram: “Passa tudo, me passa seu celular”. Entrei em pânico. Não conseguia abrir o zíper da mochila, depois não achava o celular. Achei que ia morrer naquele ônibus.
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Entreguei o aparelho, mas um deles voltou exigindo a senha. E quando eu estava digitando o terceiro dígito da senha, pensei: “Não posso fazer isso. Tudo meu está aqui, meus aplicativos bancários”. Pensei em tudo, menos na minha vida, e me recusei. Foi aí que começou uma luta corporal. Eu não entregava o telefone, ele puxava de um lado, eu de outro, tentando recuperar meu telefone. Consegui, mas saí ferida. Fui esfaqueada pelo menos seis vezes.
Levei seis pontos no braço esquerdo, onde tive duas perfurações. No dedo da mão direita, levei cinco pontos e até hoje tenho sequelas. Também tive cortes na coxa, na barriga e no ombro. Fui levada por policiais a um posto de atendimento ali perto, e depois para a delegacia. Enquanto eu levava ponto, o delegado já me pedia o reconhecimento facial dos criminosos. Me mostraram fotos, mas eu não consegui reconhecer ninguém.
Vendo as fotos das folhas de jornal que eles usaram para cobrir as câmeras, todas ensanguentadas, e o chão do ônibus também coberto de sangue, parece que revivo aquela noite. Fiquei traumatizada. Levei tudo isso para a terapia. Já evitava pegar o 472 porque sabia que era perigoso, mas naquele dia tentei a sorte. Estava sem dinheiro e fui. Tive azar. Hoje, relembrando, percebo o quanto fiquei com medo. Sei que não fiz certo em reagir daquele jeito.
Depois, fui conduzida à 5ª DP (Mem de Sá), e lá eu soube da fama do 472. Parecia que eu era só mais uma, e meu caso só mais uma ficha criminal para eles. Passei meses sem fazer o mesmo trajeto, por medo. E não deveria ser assim. Trabalho com vendas, e acabou que as pessoas ficaram sabendo do que aconteceu comigo, e era sempre muito difícil de falar.
Hoje em dia, consigo pegar ônibus. Foi difícil passar por esse trauma”.
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O caso de Aurora, de acordo com a Polícia Civil, segue em investigação na 1ª DP (Praça Mauá). Até o momento, ninguém foi preso. O órgão informa que testemunhas foram ouvidas e agentes “realizam outras diligências para identificar a autoria do crime”.
Centro do Rio é campeão de roubos de celular
Superando todos os outros bairros, o Centro do Rio se consolida como a região onde os roubos mais cresceram no último ano. Com mais de 3,5 mil registros de assaltos a pedestres e roubos de celular em 2024, o bairro lidera os índices desses dois tipos de crime na cidade. Só os roubos de celular aumentaram 55% em relação a 2023. Já os assaltos a pedestres atingiram a maior taxa proporcional entre todos os bairros: o equivalente a um roubo para cada 12 moradores.
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Outro número expressivo é o de roubos de veículos no Centro, que mais que dobrou entre 2023 e 2024 — saltou de 47 para 123 casos. Já os roubos em coletivos, como ônibus e outros transportes públicos, também dispararam no período: cresceram mais de 40%, passando de 165 para 233 registros.
2025-07-21 04:54:00