Primeiro técnico do Botafogo na era SAF, Luís Castro foi o convidado da semana no “Toca e Passa”, o videocast do GLOBO. Atualmente sem clube, após a saída do Al-Nassr, da Arábia Saudita, o treinador falou sobre a relação com John Textor, a “crise existencial” que enfrenta durante as férias e o momento da seleção brasileira.
- Toca e Passa: Assista aos quatro primeiros episódios do videocast
O que você tem feito neste período sem trabalhar?
Foram 28 anos diretos como treinador. E muitas vezes as temporadas se ligam umas às outras, como quando saí do Al-Duhail e fui para o Botafogo, e depois para o Al-Nassr. Prometi que iria descansar até junho ou julho e depois pensaria no futebol outra vez. Então, tenho aproveitado de diversas formas. O último jogo ao vivo a que assisti foi em Madri, Atlético x Barcelona, pela Copa do Rei. Tenho observado futebol, tenho tido tempo para a família, para os amigos e até para o país.
Você já disse que gosta da pressão, mas que os jogos te destroem. Segue assim?
Os jogos ferem, mas eu tenho uma paixão grande por eles e pelo treino. Continuo como no começo, com a mesma determinação. Os meus primeiros dias sem treino em Portugal (após a saída do Al-Nassr) foram de muita instabilidade interior, porque não tenho treino, não tenho jogo, então, não tenho perspectiva. Há clubes que sondam, mas entro naquele “vou ou fico”, e aí penso que tenho que descansar, porque prometi isso a mim mesmo. Mas isso provoca certa instabilidade dentro de mim mesmo.
Como uma crise existencial?
Exatamente. Uma coisa é estar fora dos treinamentos nas férias. Mas as férias dos treinadores são para planejar elenco, pré-temporada… Todos os dias entramos em contato com o diretor de futebol. A família diz: “Está de férias e não larga o telefone?”. Sim, estou de férias, mas continuo sendo treinador. Só deixei de ser agora porque não estou em nenhum clube. Então, quando você para, sente essa instabilidade. Mas já estou animado com a volta.
Voltar ao Brasil é possível?
Acompanho o futebol brasileiro. Quando passamos por um país, ficamos mais próximos. Quando falam de nós por onde passamos, é sinal de que deixamos algo de bom. E aqui tenho visto tudo que tem acontecido. É legal, muito mais agora, que não estou em atividade. Isso me permite olhar de forma mais atenta para o que fazem e acompanhar essas dinâmicas e o que os clubes buscam no campeonato.
Algum treinador ou trabalho de clube chama sua atenção?
Abel Ferreira, no Palmeiras, e Filipe Luís, no Flamengo, estão tendo um bom início de temporada, embora Abel tenha perdido para o Ramón (Díaz, ex-técnico do Corinthians) no Estadual. Filipe, desde que chegou, tem estado em alto nível. Rogério Ceni, que tem um futebol muito característico, bem apoiado, chega na frente e defende bem junto, com boas variações por dentro e fora. É questão de tempo até conseguir os resultados que quer. E tem o Roger (Machado), que vai muito bem desde o ano passado. Teve uma curva ascendente fantástica com o Internacional. Roger tem uma coisa: a forma como os jogadores se comportam em campo é muito confortável. As coisas são naturais. Veja o Alan Patrick. Esse velho, no bom sentido, é impressionante. Foi meu jogador no Shakhtar. Tem os olhos nos pés, enxerga de costas.
Já estou com saudades para caramba. Está difícil (aguardar até julho). Queria cumprir o que tenho na minha cabeça, ficar de férias com a minha família. Mas não sei o que vai acontecer.
O que você tem em mente?
Já tive abordagens de África, Europa, América, Ásia… E respondo a mesma coisa: gosto de uma visão apaixonada de quem dirige o clube. Não gosto daquela visão fria. Gosto de viver em sintonia com presidente, CEO, diretor. Gosto de ter tudo alinhado e com boa organização. E outra coisa: gosto de ser dominador. Construir, indicar, participar e ser ouvido. Não gosto de ser só mais um. Se for assim, não quero. São os desafios intensos que me movem.
No Botafogo, você ficou muito incomodado, em certos momentos, com xingamentos.
Respeito muito o coração da torcida. Não há problema com essa manifestação de emoção e sentimento. Se o estádio não está gostando de algo, ele vai se manifestar. Uma coisa é ficar surpreendido por não estar habituado, mas a solução foi rapidamente fazer reflexões e perceber que é algo aceitável. Essas manifestações são genuínas. No dia em que isso acabar, acabou o futebol. Não estou incentivando a vaia. Enquanto treinador, prefiro aplauso. Mas estou preparado para suportar quando ela for espontânea, por falharmos num jogo. Isso está resolvido.
Há torcedores do Botafogo que querem sua volta e outros que não gostam de você pela forma como saiu do clube.
É muito interessante, porque eu saí do Botafogo da mesma forma que saí do Al-Duhail para o Botafogo (risos). Exatamente da mesma forma: respeitando todas as linhas do contrato que eu e a administração assinamos de livre vontade.
Com John Textor, a relação é…
É ótima. Sempre foi. Até mesmo no acordo de saída. É como deve ser o futebol: à luz daquilo que acertamos no contrato quando iniciamos o caminho.
Conversaram recentemente, certo? Como foi esse papo?
As pessoas que amam futebol gostam de falar sobre ele. Se você me ligar, não vamos falar de economia, vamos falar de futebol. Não vamos falar de cirurgia. Mas também dá para falar sobre samba, que é ótimo (risos).
Tem chances de reeditar essa parceria com Textor?
Não sei o que vai acontecer na vida. Neste momento, o Botafogo está com o Renato Paiva e muito bem. É como disse: há uma parte que me ama e outra que me odeia, e não quero ser divisor entre o clube. Não posso ser o polo instabilizador.
Você tinha uma expectativa muito grande de trabalhar com o Cristiano Ronaldo. A realidade a justificou?
Trabalhar com ele é realmente surpreendente, pela dimensão que tem enquanto profissional de futebol. Sentimos, em cada segundo do contato com ele, que se dedica totalmente à profissão. Ele compreende cada uma das particularidades que tem um jogador: nutrição, sono, pré e pós-treino, jogo, não comer açúcar, não beber álcool… Para tudo ele tem um método e uma rotina. Trabalhei com ele com muito agrado. A minha expectativa foi grande não só por ele, mas por trabalhar com outros jogadores de nível mundial, como Mané, Otávio, Alex Telles, Talisca… Não só no Al-Nassr, mas nos outros times do país, como o Al-Hilal, que tinha uma constelação de grandes jogadores. Foi bom.
Você viu a passagem do Neymar pelo Al-Hilal de perto. É possível traçar um paralelo entre a postura dele e a do Cristiano?
Cada jogador transporta com ele muitas especificidades, uma identidade própria que não devemos comparar. É como perguntar quem é melhor entre Neymar, Messi, Cristiano, Maradona, Pelé, Garrincha ou Beckenbauer. Cada um tem uma característica. Neymar é um jogador fabuloso. Tem uma capacidade técnica que parece que o corpo fala com a bola. Na Arábia Saudita, ele fica marcado pela lesão. Teve essa infelicidade que não o deixou ser a estrela que é.
Você sempre valorizou a história da seleção brasileira. Como vê a crise atual? A resposta para ela pode estar em um técnico português?
O futuro da seleção não reside só na escolha do técnico, e sim naquilo que é o envolvimento de todos. Não há milagres para conseguir sucesso. Tem que haver uma organização e uma sintonia de esforços, um país em torno da seleção. Hoje há aquela desconfiança, às vezes falta sintonia, e acho que a seleção precisa de líderes que juntem. A principal função dele é unir e projetar na seleção os patamares que ela merece. Há muitos anos o sucesso da seleção está ligado à história dela, e não ao presente. Esse impulso vai acabar por acontecer, porque o Brasil continua sendo um grande formador de jogadores para o mundo.
É muito prestigiante trabalhar na seleção brasileira. Não se trata de ganhar isso ou aquilo, é prestígio. Não é que eu esteja fazendo conjecturas. É prestigiante como são as seleções portuguesa, francesa, espanhola, inglesa, argentina…. É algo para que qualquer treinador tem que estar preparado e sempre com olhos de ver.