O filme “O Agente Secreto” está dividindo opiniões sobre seu final silencioso e anticlimático. No entanto, ele traz uma mensagem emblemática sobre apagamento histórico durante um regime militar. O diretor e um membro do elenco comentaram sofre o desfecho controverso.
“O Agente Secreto” estreou nos cinemas brasileiros em 6 de novembro e já superou a marca de meio milhão de espectadores em todo o país. Dirigido por Kleber Mendonça Filho e protagonizado por Wagner Moura, o filme tem provocado ao público reações diversas, especialmente pelo seu final silencioso e anticlimático. No entanto, as últimas cenas trazem uma mensagem profunda, que faz jus à escolha da narrativa.
Ambientado no Recife de 1977, o longa acompanha a história de Marcelo (Moura), um professor especializado em tecnologia que deixa São Paulo e volta para Pernambuco, durante o período da Ditadura Militar. Ele foge para sua cidade-natal depois de alguns confrontos com Ghirotti (Luciano Chirolli), um empresário corrupto que corta as verbas de pesquisa de sua universidade, e acaba encontrando conforto em uma pensão de exilados.
Por lá, o docente consegue trabalho no Instituto de Identificação e tenta se reaproximar do único filho, Fernando. Contudo, em retaliação, Ghirotti contrata os assassinos de aluguel, Bobbi (Gabriel Leone) e Augusto (Roney Villela), para irem atrás dele. E diante de um refúgio carnavalesco, Marcelo vê a própria vida se transformar em uma luta pela sobrevivência.
A parte final do filme mostra o protagonista tentando conseguir documentos para deixar o Brasil com o filho. Ele sobrevive, inicialmente, a um dos assassinos, mas seu futuro se torna incerto até a exibição de outra linha do tempo. No presente, o público entende que Marcelo acabou morto pouco tempo depois, através de um recorte de jornal.
Os últimos diálogos do longa são do filho do protagonista, Fernando (Moura), com Flávia (Laura Lufési), uma pesquisadora de universidade privada que se dedica a investigar arquivos ligados ao passado de Marcelo. Uma das falas chama a atenção. “Acho que você sabe mais do meu pai do que eu“, diz o agora médico.
Diante das poucas informações sobre o próprio pai, Fernando recebe um pen drive com todos os arquivos envolvendo a história de Marcelo. Ele, então, se despede de Flávia na frente da unidade de saúde, enquanto se lembra que ali era um cinema bastante frequentado por ele quando criança.
Final explicado
Apesar de ser considerado um final aberto, o desfecho de “O Agente Secreto” apresenta uma mensagem emblemática sobre temas sociopolíticos daquela época. Era justamente isso o que acontecia durante o regime militar: violências, perseguições e, sobretudo, apagamentos históricos – não apenas sobre pessoas, mas de pequenos fragmentos do tempo.
Embora não aborde em nenhum momento a palavra “ditadura”, o filme relata que muitas famílias pouco sabiam o que tinham, de fato, acontecido com seus integrantes. Não apenas entre pais e filhos, mas em várias outras cenas, como o próprio homem morto no posto de gasolina ou a perna não-identificada, encontrada dentro de um tubarão. Era justamente isso o que acontecia.

As fitas e arquivos preservados por Flávia são uma forma de justiça, que reconstrói a identidade de um indivíduo – neste caso, a do protagonista – e resgata a memória de Marcelo. Esse resgate, inclusive, se torna fundamental para que o passado violento não seja apagado e não se repita, na luta contra esse esquecimento da nossa história.
O título ainda traz um tom irônico. “O Agente Secreto” não se trata de um superespião, mas sim de qualquer pessoa que se vê obrigado a viver em código para não desaparecer, restando apenas rastros. A ausência de uma cena gráfica para a morte do protagonista também opera sob a lógica do período da ditadura, e seu apagamento de pessoas e histórias. É impossível saber, como de fato tudo aconteceu. Resta ao espectador, assim como aos familiares das vítimas, apenas pequenos registros do tempo, como um recorte de jornal.
Diretor e atriz opinam
Durante a coletiva de imprensa do longa, Kleber Mendonça Filho disse que chegou a considerar uma conclusão mais “convencional”, porém, afirmou que o espírito da obra precisava ter outro fim. “Eu tentei escrever algo mais normal, mais tradicional, e não consegui nem passar da primeira página“, admitiu.
“Sendo eu um jornalista que já descobriu muita coisa em arquivos, filho de uma historiadora, faz total sentido que o filme caminhe para onde caminha. É uma escolha muito forte, muito sentimental“, explicou. Para Lufési, atriz que interpretou a pesquisadora, o desfecho é “real” e “cru”.
“O final causa um incômodo proposital. É real, cru. ‘Mas é assim que termina?’ É. Acho que ele é sobre memória, mas talvez seja muito mais sobre o esquecimento. E isso é muito cruel, porque atinge não só a história do Marcelo, como de seu filho e das demais gerações que virão“, declarou, em entrevista a Emannuel Bento, do Jornal do Comércio.
“Ele (Kleber) pediu que não fosse [uma cena] melodramática, sem causar grande catarse. Quando vejo a reação ao filme, entendo que ele provocou o que queria. Ela (Flávia) faz apenas o que é certo. Aquele é o trabalho dela, literalmente: fazer o que puder de mais ético e interessante com as informações. Existe ainda um certo distanciamento, pois ela não viveu a ditadura. Ela tem aquele material, mas não tem atravessamento direto. Ela traz a memória que a gente, geração atual, tem da nossa própria época“, concluiu a atriz.
Siga a Hugo Gloss no Google News e acompanhe nossos destaques
2025-11-17 11:38:00



