Fazendas gigantes de cacau na Bahia desafiam crise mundial do chocolate

Projetos de grande porte em desenvolvimento no oeste da Bahia buscam aplicar, à produção de cacau, a experiência de agricultura em escala industrial. Amêndoas de cacau REUTERS/Luc Gnago Na Bahia, o fazendeiro Moisés Schmidt está desenvolvendo a maior fazenda de




Projetos de grande porte em desenvolvimento no oeste da Bahia buscam aplicar, à produção de cacau, a experiência de agricultura em escala industrial. Amêndoas de cacau
REUTERS/Luc Gnago
Na Bahia, o fazendeiro Moisés Schmidt está desenvolvendo a maior fazenda de cacau do mundo.
Seu plano é revolucionar a forma como o principal ingrediente do chocolate é produzido, cultivando cacaueiros de alto rendimento, totalmente irrigados e fertilizados, em uma região que atualmente não se destaca na produção.
O plano de US$ 300 milhões de Schmidt é o maior e mais inovador da região, mas não é o único.
Há outros projetos de grande porte em desenvolvimento. Grupos agrícolas buscam aplicar a experiência em agricultura em escala industrial à produção de cacau para lucrar com os preços altíssimos do produto (veja abaixo).
Se esses planos derem certo, o centro de gravidade do setor poderá se deslocar da África Ocidental para o Brasil. “Acredito que o Brasil vai se tornar uma importante região para o cacau no mundo”, disse Schmidt.
Ele estima que até 500.000 hectares de fazendas de alto rendimento poderiam ser implantadas no Brasil em dez anos, com potencial para produzir até 1,6 milhão de toneladas de cacau.
Produtor de cacau Moisés Schmidt em sua propriedade no oeste da Bahia
REUTERS/Amanda Perobelli
Produção mundial em queda
O Brasil produz atualmente cerca de 200.000 toneladas, enquanto a Costa do Marfim, maior produtor mundial, colhe dez vezes mais. Gana, o segundo, produz cerca de 700.000 toneladas de grãos.
Atualmente, o setor global de cacau está em crise. Uma combinação de fatores, como doenças nas plantas, mudanças climáticas e plantações envelhecidas, levou a três anos consecutivos de queda na produção..
A crise fez com que os preços do cacau quase triplicassem em 2024, atingindo um recorde de US$ 12.931 por tonelada métrica em dezembro. Desde então, o preço caiu para cerca de US$ 8.200, mas continua bem acima das médias históricas.
Afrodisíaco e probiótico: veja 5 curiosidades sobre o cacau
De onde vem o que eu como: chocolate
Crise como oportunidade
Para Schmidt e outros agricultores no Brasil, a crise é vista como uma oportunidade.
Sua empresa começou a se preparar para cultivar cacau em 2019, após concluir que haveria um déficit de fornecimento no futuro.
A fazenda planejada de 10.000 hectares superaria de longe as propriedades da África Ocidental, que geralmente não passam de algumas dezenas de hectares. Há grandes fazendas em outros países produtores, com áreas superiores a 1.000 hectares, mas ainda muito menores do que o projeto de Schmidt.
O plano é aplicar técnicas de agricultura em larga escala à fazenda de cacau totalmente irrigada, como se fosse um campo de soja ou milho.
As árvores da fazenda, no município de Riachão das Neves, no oeste da Bahia, serão agrupadas. O espaçamento será mínimo, apenas o suficiente para permitir irrigação mecanizada e aplicação de fertilizantes e pesticidas.
Schmidt está plantando 1.600 árvores por hectare nas novas áreas, em comparação com apenas 300 árvores em fazendas convencionais. A concentração deve garantir produtividade muito superior.
“A única coisa que ainda não é mecanizada é a colheita de frutas das árvores”, disse o agricultor.
Como a crise global do cacau fez os preços do chocolate disparar
Gigantes de olho
A Schmidt Agrícola cultiva mais de 35.000 hectares de soja, milho e algodão na Bahia. Ela tem acordos preliminares com produtores de chocolate e comerciantes de cacau, disse Schmidt.
A Cargill, uma das maiores comerciantes de commodities do mundo, já é parceira na fase inicial, que envolve os 400 hectares, e negocia expandir a parceria.
Schmidt disse que grandes comerciantes de cacau ou empresas de chocolate negociam com ele e outros agricultores no Brasil em busca de parcerias, que envolveriam investimentos no desenvolvimento dos projetos em troca de fornecimento garantido.
Ele não revelou as empresas, citando cláusulas de confidencialidade.
Segundo duas fontes ouvidas pela Reuters, a Barry Callebaut, maior fornecedora global de cacau e chocolate, negocia uma parceria com a Fazenda Santa Colomba. O objetivo é implantar uma área de cultivo de 5.000 a 7.000 hectares em Cocos, no oeste da Bahia.
A Barry Callebaut disse ter assinado uma parceria com agricultores do Brasil para desenvolver uma fazenda de cacau de 5.000 hectares na Bahia, mas não citou o nome do grupo. A Santa Colomba não comentou.
A Mars, produtora americana das barras Snickers e M&Ms, desenvolveu um campo de testes de cacau não muito longe da fazenda de Schmidt em Riachão das Neves.
Segundo a empresa, o local integra sua estratégia de enfrentamento às mudanças climáticas e à redução da produtividade global do cacau.
“A Bahia é atraente devido à topografia plana, solos férteis, disponibilidade confiável de água e infraestrutura agronômica estabelecida”, disse Luciel Fernandes, gerente do Centro de Ciência do Cacau da Mars no Brasil.
Cacau era considerado alimento dos deuses por diversos povos
Produtividade maior
Nas novas fazendas de Schmidt, os cacaueiros são cultivados a céu aberto, com muita luz solar. Isso contrasta com as plantações tradicionais, onde os cacaueiros crescem sob sombra parcial, ao lado de outras árvores.
A equipe de Schmidt produziu novas variedades de cacau por meio da chamada seleção positiva, projeto que multiplica as mudas a partir de material retirado das plantas que produziram a maior carga de frutos em campos de teste.
As árvores de alto rendimento plantadas estão produzindo cerca de 3.000 kg por hectare (kg/ha), ou dez vezes a produtividade média das áreas tradicionais de cacau no Brasil.
Produções acima de 2.000 kg/ha foram obtidas em campos de teste da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), a agência de pesquisa de cacau do Brasil, usando alta densidade de plantas.
Os pesquisadores, no entanto, disseram que os resultados precisariam ser confirmados com o plantio em maior escala. Eles levantaram dúvidas sobre a viabilidade dessa prática, que exigiria cuidados extensivos com a cultura e mão de obra.
Algumas pessoas no mercado têm dúvidas sobre essa expansão.
“Como sempre, o preço é o fator determinante. Com preços em torno de US$ 4.000 por tonelada, o Brasil mal se interessou”, disse Pam Thornton, veterana consultora de cacau e comerciante de grãos.
Após conversar com fazendeiros, ela disse ter constatado que os preços precisam se manter próximos ao nível atual por mais um ano, pelo menos, para estimular a expansão do cultivo. Para um crescimento mais significativo, seriam necessários “vários milhares de dólares a mais”, acrescentou Thornton.
Schmidt diz que o cacau de sua operação seria lucrativo mesmo a cerca de US$ 4.000 por tonelada. “Acima de US$ 6.000, é muito melhor do que a soja ou o milho”, pontuou.
Preço do cacau: ‘para todo mundo comer chocolate, é preciso produzir 5 milhões de toneladas’
Riscos
Nem todos estão otimistas. A fitopatologista Karina Peres Gramacho, da Ceplac, alerta para os riscos dessas grandes plantações no oeste da Bahia.
Segundo ela, o uso de milhares de clones idênticos pode tornar as plantações vulneráveis a doenças, comuns no cultivo de cacau.
O Brasil já foi o segundo maior produtor de cacau, atrás apenas da Costa do Marfim, mas um fungo devastador na década de 1980, conhecido como Vassoura de Bruxa, devastou milhares de hectares.
Para evitar esse cenário, Gramacho apoia a ideia de usar variedades mais desenvolvidas e adequadas à região.
Analistas também questionam a qualidade do cacau cultivado sob sol pleno, já que frutos produzidos à sombra tendem a ter sabor superior.
Cristiano Villela Dias, diretor científico do Centro de Inovação do Cacau (CIC) do Brasil, afirma que testes iniciais com frutos do oeste da Bahia não mostraram diferença perceptível no sabor.
“A qualidade das amêndoas é muito semelhante ao melhor cacau produzido no Brasil ou em outros países”, disse Villela.
A Mars disse que testou o cacau produzido na área e não identificou “diferença fundamental no sabor ou na qualidade” que possa ser associada ao cultivo a pleno sol.



Conteúdo Original

Posts Recentes

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE