A lista de produtos brasileiros exportados aos EUA é diversificada e tem desde produtos básicos como petróleo, suco de laranja e carne, a industrializados de alta tecnologia, como aviões. Com tarifa de 50% imposta pelo presidente americano, seria a China candidata a absorver a demanda? Carne bovina é um dos produtos que Brasil vende tanto aos EUA quanto à China
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A tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os EUA anunciada pelo presidente americano, Donald Trump, em uma dura carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi a mais alta da nova rodada de anúncios feita pelo republicano, que atingiu mais de 20 países.
Se não houver acordo ou recuo, a nova alíquota passará a valer a partir de 1º de agosto.
As primeiras análises de especialistas têm apontado que, apesar da alíquota extremamente elevada, o impacto negativo na economia brasileira, de forma geral, tende a ser pequeno.
O Nobel de Economia Paul Krugman ponderou que as exportações para o mercado americano são menos de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
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Felipe Camargo, da consultoria Oxford Economics, calculou que, mesmo com uma “retaliação total” por parte do Brasil, a medida tiraria do PIB brasileiro algo como 0,1% em 2026.
Ainda assim, setores específicos, aqueles com volume de exportações mais significativo para os Estados Unidos, como o de aviões, de autopeças e de suco de laranja, poderiam ser penalizados.
Nesse sentido, o Brasil poderia tentar redirecionar esses embarques para a China?
China é destino de quase 25% das exportações brasileiras
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Maiores parceiros, mas pautas diferentes
Os especialistas consultados pela reportagem avaliam que as possibilidades nesse sentido são limitadas.
Isso porque, apesar de serem os dois maiores parceiros comerciais do Brasil, China e Estados Unidos compram produtos bastante diferentes das empresas brasileiras.
“A nossa pauta para os Estados Unidos é muito peculiar dentro do universo de produtos que vendemos para o mundo”, diz Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e sócio da consultoria BRCG.
A lista é diversificada, com muitos produtos manufaturados. Alguns são bens finais, como aviões, mas uma fatia considerável, segundo o economista, são os chamados bens de meio de cadeia, como lingotes de aço e outros produtos que vão ser processados em solo americano antes de chegarem ao consumidor final.
Já a pauta de exportações para a China está bastante concentrada em poucos produtos básicos. Entre janeiro e junho deste ano, 40% dos US$ 47,7 bilhões que o país vendeu para os chineses foi soja. Petróleo respondeu por outros 19% e minério de ferro, por outros 17%.
A visualização de dados do sistema de estatísticas do comércio exterior brasileiro do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) deixa clara essa diferença:
Produtos exportados para os EUA de janeiro a junho
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Produtos exportados para a China de janeiro a junho
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Entre os produtos que poderiam ser eventualmente redirecionados à China, Guilherme Klein, professor do Departamento de Economia da Universidade de Leeds, no Reino Unido, destaca o petróleo, a carne bovina e o minério de ferro, itens que o Brasil já vende hoje para os dois principais parceiros.
No caso do minério de ferro, o professor ressalta que atualmente já existe excesso de oferta da commodity no mundo, o que tem empurrado os preços para baixo.
Assim, a avaliação é de que, ainda que o Brasil consiga vender parte da produção para outros países, caso as tarifas americanas entrem de fato em vigor, poderiam ter de fazê-lo a preços ainda mais baixos.
Klein não descarta, contudo, que a China pudesse absorver parte desse excedente “por uma questão estratégica, para se mostrar um parceiro comercial importante neste momento”.
“É difícil separar o que vai ser geopolítica do que vai ser por interesse econômico”, comenta o economista, emendando que a imprevisibilidade de Trump, que já voltou atrás em temas relacionados a tarifas diversas vezes, e a possível retaliação do Brasil tornam difícil o exercício de se tentar fazer previsões de cenários.
Em entrevista à Rede Record na tarde de quinta-feira (10), Lula afirmou que tentaria negociar com o governo Trump, mas que recorreria à lei de reciprocidade e taxaria os produtos americanos também em 50% caso não houvesse acordo.
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e sócio da consultoria BMJ, lembra que uma série de produtos acabaram sendo excluídos da tarifa de 10% que os EUA impuseram ao Brasil em abril. A lista completa foi divulgada em um anexo da ordem executiva assinada por Trump na ocasião.
Ainda não está claro se essas isenções serão mantidas, mas, caso o fossem, petróleo e derivados e minério de ferro estariam excluídos da tarifa.
Na avaliação de Barral, caso não haja acordo e a alíquota se mantenha no patamar de 50%, as commodities tenderiam a sofrer menor impacto negativo.
“Elas acabam sendo exportadas para outros destinos, mesmo que seja por um preço menor”, ele pontua.
Esse seria um caminho, por exemplo, para o café, ainda que o especialista ressalte que os Estados Unidos teriam dificuldade de encontrar um fornecedor do porte do Brasil, que responde por cerca de um terço da importação americana.
Esse dado também foi destacado pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), que afirmou à reportagem avaliar que os americanos teriam dificuldade para encontrar um substituto para o produto brasileiro, restando a eles pagar mais caro ou diminuir o consumo da bebida.
“Estamos na esperança de que o bom senso prevaleça, porque sabemos que quem vai ser onerado é o consumidor americano”, disse o diretor-geral do Cecafé, Marcos Matos.
Setores potencialmente mais afetados
O setor de suco de laranja, por sua vez, desenhou um prognóstico bastante pessimista após o anúncio. A indústria tem nos EUA destino de 41,7% de todas as suas exportações.
Em uma nota, a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) afirmou que a tarifa — que se somaria a uma sobretaxa que já é cobrada do produto brasileiro por conta da proteção ao setor de suco de laranja americano — , criaria “uma condição insustentável para o setor, que não possui margem para absorver esse tipo de impacto”.
“As consequências são graves: colheitas são interrompidas, o fluxo das fábricas é desorganizado, e o comércio é paralisado diante da incerteza. Trata-se de uma cadeia produtiva altamente interligada”, prossegue o texto.
Ainda segundo a entidade, a Europa, que hoje é o principal mercado do suco brasileiro, com participação de 52% das exportações da última safra, provavelmente não tem capacidade “de absorver excedentes do mercado americano sem que haja grave deterioração de valor para todo o setor”.
De forma geral, conforme os especialistas ouvidos pela reportagem, os produtos que teriam maior dificuldade para encontrar outros destinos seriam os industrializados.
Welber Barral destaca, por exemplo, as autopeças: “O Brasil exporta muitas autopeças, inclusive de tratores, equipamentos agrícolas. E tem muito comércio intrafirma nesse setor, é produto certificado, é um modelo específico… ainda não tem muito como transferir [esses itens] para outros mercados”.
O economista Guilherme Klein chama atenção para o segmento de mais alta tecnologia, que tem nos EUA um importante mercado.
No caso da indústria de aviões, ele diz, o Brasil não apenas exporta para o mercado americano, como também compra peças e partes de empresas dos EUA. Em uma situação de guerra comercial, por exemplo, com imposição de tarifas por parte do Brasil, o custo desses produtos aumentaria.
“Isso poderia criar uma espiral que travaria um pouco investimentos nesses setores”, pondera Klein.
Em relatório enviado a clientes nesta quinta (10), a equipe de economistas que acompanha o setor de transporte e logística no Itaú BBA avaliava que a Embraer pode ser uma das empresas mais fortemente afetadas.
Segundo a análise, cerca de 60% da receita da fabricante vem da América do Norte. Desse total, 46% estariam potencialmente expostas aos efeitos das tarifas — redução da demanda ou diminuição das margens de lucro, por exemplo.
Outra companhia do setor que poderia sofrer impacto negativo seria a fabricante de eletroeletrônicos Weg, ainda que em escala menor. Os economistas estimam que cerca de 25% da receita da empresa venha da América do Norte e que aproximadamente 7% estaria exposta aos efeitos das tarifas.
Mais de 30% do café importado pelos EUA é brasileiro
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‘É quase uma sanção econômica’
Uma das razões que Trump tem apontado para as tarifas salgadas que tem anunciado, com idas e vindas, desde o início de seu segundo mandato é o déficit comercial dos Estados Unidos, que compra mais de seus parceiros comerciais do que vende para o restante do mundo.
Isso não acontece, entretanto, na relação com o Brasil. A balança comercial americana com o país é superavitária, com saldo líquido de US$ 283,8 milhões no ano passado e de US$ 1,67 bilhão entre janeiro e junho deste ano.
Nesse sentido, a tarifa de 50% foi lida por analistas como uma decisão motivada por mais fatores políticos, o que explicaria a menção ao processo criminal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe na carta enviada pro Trump a Lula.
“Do ponto de vista econômico, não há muita lógica [na aplicação da tarifa]”, diz Guilherme Klein, que é também pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MADE) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP).
“É quase uma sanção econômica. Uma situação que é, na verdade, uma tentativa de interferência no sistema político de outro país”, ele completa.
Presidente Lula fala ao Jornal Nacional sobre tarifas anunciadas por Trump
Na mensagem enviada ao presidente brasileiro, Trump acusou o Brasil de promover perseguição judicial contra Bolsonaro e de cercear os “direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos”, em referência às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos anos que retiraram do ar postagens e contas em redes sociais como o X com conteúdos considerados antidemocráticos.
Lula respondeu dizendo que o Brasil é um país soberano com instituições independentes e “que não aceitará ser tutelado por ninguém”.
“O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais”, afirmou Lula em um comunicado.
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