Um crime sem precedentes parou por duas horas o Aeroporto Internacional de São Paulo na última quarta-feira. Havia acabado de anoitecer quando seis suspeitos tentaram invadir o terminal, em Guarulhos, para embarcar três caixas com 160 quilos de pasta base de cocaína em uma aeronave com destino a Joanesburgo, na África do Sul. Para dar cobertura aos criminosos e monitorar a carga ilícita, seis drones sobrevoaram a região capturando imagens aéreas. Os indivíduos passaram a primeira de duas cercas que protegem uma área restrita do aeroporto e, antes de cruzarem a seguinte, foram descobertos pela segurança. No local de destino, estimam os investigadores, um quilo da substância poderia ser transformado em cinco quilos de cocaína, tamanho o grau de pureza.
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Nos últimos cinco anos, 10,8 toneladas de droga foram confiscadas no aeroporto, num total de 1.416 apreensões. Seis em cada dez pessoas interceptadas com entorpecentes são brasileiras. O destino principal dos ilícitos é Paris, a capital francesa. O voo mais usado pelos capturados é o ET0507, da Ethiopian Airlines, para Adis Abeba, na Etiópia.
A cocaína é a droga mais exportada, ao passo que o skunk, a metanfetamina e o haxixe são as mais importadas. Os dados são de um levantamento inédito da Polícia Federal (PF), obtido pelo GLOBO, que revela detalhes do entra e sai de drogas no maior aeroporto da América do Sul.
Alta de 368% em apreensões
Entre 2020 e 2024, aponta o estudo, o volume de entorpecente sequestrado no terminal passou de 1,4 para 2,3 toneladas, uma alta de 58%. O salto de apreensões foi ainda maior, de 113 para 529, um aumento de 368%. Julio César Baida Filho, chefe da Delegacia Especial de Polícia Federal no aeroporto, atribui o incremento a medidas recentes, como a ampliação do sistema de câmeras e de iluminação no local, o uso de biometria para identificação de suspeitos e o emprego de tecnologias como raio x, escâneres corporais e detectores de líquidos e explosivos.
— Intensificamos o cerco às diversas modalidades de tráfico com o fortalecimento das ações de segurança e inteligência. As apreensões não se limitam ao aeroporto, mas dão início a investigações que chegam nas quadrilhas que utilizam as “mulas” para mandar as drogas — diz Filho.
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A cocaína foi o mais confiscado dos 12 tipos de ilícitos encontrados, indica a PF. É ela, inclusive, a responsável pela concentração das apreensões no fluxo de exportação, em vez de na importação. Para Gabriel Patriarca, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), o padrão é esperado, uma vez que o Brasil é um país de trânsito da droga produzida na Bolívia, no Peru e na Colômbia, destinada aos mercados do exterior.
— O aeroporto de Guarulhos é um dos principais hubs de conexão da região com outros continentes. As linhas aéreas que convergem ali fazem com que também seja um ponto fulcral do tráfico internacional. E o volume de pessoas que transita no dia a dia tanto oportuniza a imersão do tráfico no transporte aéreo quanto dificulta a fiscalização pelas autoridades. É como encontrar uma agulha no palheiro, ou uma pessoa suspeita no meio da multidão, nesse caso — ressalta o pesquisador.
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Os destinos da cocaína têm mudado gradualmente. Em 2020, 54% das apreensões destinadas ao exterior seguiriam para o continente africano e 24% para o europeu. Em 2024, as proporções se inverteram: apenas 11% iriam para a África e 77% para a Europa.
— Se as medidas de segurança aeroportuária se mantiveram essencialmente as mesmas no período, é possível supor que as mudanças se expliquem pelas dinâmicas dos grupos criminosos, como o uso de rotas diretas aos aeroportos europeus em vez de rotas indiretas por meio dos aeroportos africanos. Isso se o objetivo realmente for fazer a droga chegar à Europa, que é o grande mercado consumidor da droga — avalia Patriarca.
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Todos os dias, circulam no Aeroporto Internacional de São Paulo cerca de 130 mil passageiros. A movimentação superlativa dá dimensão da complexidade do trabalho de fiscalização. É da PF a responsabilidade de localizar e apreender a droga. A Receita Federal, que controla o comércio exterior na entrada e saída de mercadorias, contribui para a tarefa ao achar material oculto em malas ou no corpo de passageiros.
— Recentemente, pegamos uma bagagem com droga que estava com um rastreador. A evolução do crime é constante, e a nossa precisa ser também — afirma o auditor-fiscal Marcelo Costa, chefe da Divisão de Conferência de Bagagem da Alfândega da Receita no aeroporto de Guarulhos.
Para apertar o cerco contra os traficantes, os órgãos contam com cães farejadores, escâneres corporais e de bagagens, revista de malas e passageiros e uma equipe apta a detectar incongruências durante as entrevistas aos suspeitos. Ao se depararem com um passageiro com droga no corpo ou na mala, os agentes alertam outros pelo rádio com o código “capivara na pista”.
O Aeroporto Internacional é utilizado tanto por mulas, como é conhecido quem carrega pequenos volumes em troca de dinheiro, quanto por facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC).
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— O crime organizado usa a estratégia de uma empresa que precisa despachar uma mercadoria normal. Se quer velocidade, manda de avião. Se quer quantidade, de navio — afirma Pedro Marochio, analista tributário da Receita.
Segundo o levantamento da PF, os esconderijos mais usados são fundo falso de malas, interior da bagagem, na roupa ou junto ao corpo, em cápsulas de droga engolidas ou inseridas e, por fim, em recipientes de alimentos, cosméticos e outros produtos.
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Na linguagem policial, os traficantes que transportam a cocaína em cápsulas ingeridas são tratados como “engolidos”. Em geral, são aliciados em festas ou nas redes sociais. Para evitar que a droga saia do corpo antes de sua chegada ao destino, eles tomam remédios para reduzir o trânsito intestinal. Quando descobertos, os “engolidos” são encaminhados diretamente para um hospital, pelo risco de morte que correm no caso de um invólucro estourar dentro do corpo. Recentemente, um “engolido” foi pego com cerca de 200 cápsulas, cerca de 2 quilos de cocaína. Ganharia pelo transporte cerca de R$ 30 mil.
2025-06-15 03:30:00