‘Fui aliciada por uma amiga’, conta brasileira vítima de tráfico humano em Mianmar

A brasileira vítima de tráfico humano em Mianmar, no Sudeste asiático, contou que foi aliciada por uma amiga com falsas propostas de emprego no estado de Karen, onde vêm sendo erguidos, nos últimos anos, empreendimentos comerciais como hotéis e cassinos.


A brasileira vítima de tráfico humano em Mianmar, no Sudeste asiático, contou que foi aliciada por uma amiga com falsas propostas de emprego no estado de Karen, onde vêm sendo erguidos, nos últimos anos, empreendimentos comerciais como hotéis e cassinos. Em depoimento ao GLOBO, ela relatou ainda que passou três meses sob trabalhos forçados, sem remuneração, e que as refeições, quando oferecidas, eram feitas em um local sujo e com baratas.

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A amiga que integra o esquema criminoso da máfia chinesa também é brasileira e vive em São Paulo. De acordo com informações da Polícia Federal, foram cumpridas medidas cautelares contra a suspeita, além de um mandado de busca e apreensão em sua residência. Ela, no entanto, segue solta e a vítima teme possíveis represálias.

— Eu passei lá quase três meses lá, a questão de alimentação não era muito boa, no café da manhã não davam para todo mundo. As demais refeições davam, mas a comida era feita de todo jeito, o lugar onde a gente comia tinha muita barata, era muito sujo e eu passei fome lá de verdade, emagreci bastante. Passei muito tempo sem comer e até meu rosto está muito diferente, bem seco comparado ao que era antes — conta a jovem.

A identidade da vítima e seu local de moradia não serão divulgados por segurança. Ela foi repatriada no domingo (8) e se recupera dos traumas vividos ao lado da família.

As tratativas para realizar o resgate começaram no dia 6 de maio, após a vítima conseguir pedir socorro por meio das redes sociais à The Exodus Road, que auxilia brasileiros traficados em Mianmar.

— Ela tinha a localização dela e comunicação constante pelo wi-fi, mas estava sem nenhum dinheiro e passando fome. Instruímos que ela fizesse a denúncia junto ao site da Polícia Federal e o preenchimento do formulário para relatar o ocorrido. Também instruímos a família a procurar a Defensoria Pública da União para formalizar a carta de hipossuficiência para repatriamento da vítima — relata Cintia Meirelles, coordenadora da ONG.

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Para realizar o resgate, primeiro a ONG acionou o Itamaraty, a fim de que o Ministério das Relações Exteriores enviasse uma carta ao governo de Mianmar solicitando a liberação da vítima. Como não houve resposta, a The Exodus Road se articulou com outra organização que atua no Sudeste asiático para negociar com os próprios aliciadores da máfia chinesa a soltura da brasileira. Eles a liberaram mediante o pagamento de US$ 700 (cerca de R$ 4 mil), usados para realizar o transporte até um hotel em Camboja.

— Todo o transporte foi controlado pela máfia. Eles mudaram o percurso, com trocas de carros, pelo menos três vezes, para despistarem a rota e passarem pelos vários pedágios. A máfia também só permitiu a saída dela porque não imaginavam que a gente estava em conversa com a vítima e que a gente daria esse dinheiro — revela Meirelles.

Vítima diz ter sido maltratada pela embaixada

Ao GLOBO, a vítima relatou ainda que, apesar de ter recebido ajuda da embaixada com passagem, hotel e alimentação, ela foi “muito maltratada” pelo órgão que representa os brasileiros em Mianmar.

— O atendimento péssimo, os funcionários usaram palavras de baixo calão comigo, me julgaram, não foi legal — declarou.

A reportagem procurou o Itamaraty para comentar sobre os protocolos de suporte às vítimas de tráfico humano e aguarda retorno.

Após ser acionada, a Polícia Federal deflagrou, na última sexta-feira (6), a Operação Double Key, com o objetivo de desarticular a organização criminosa especializada no tráfico humano em Mianmar. A vítima teve seu nome incluído na lista de difusão azul da Interpol (Blue Notice), o que possibilitou sua localização e posterior resgate. A jovem foi a única brasileira resgatada, mas deixou o local junto a vítimas de outras nacionalidades.

Vista do local onde a brasileira era obrigada a trabalhar sem qualquer remuneração, no Estado do Karen, em Mianmar — Foto: Divulgação

Além das ações contra a brasileira envolvida, foram cumpridos dois mandados de prisão preventiva e medidas cautelares contra dois cidadãos de origem chinesa, que foram detidos no momento em que desembarcavam no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), em voo procedente do Camboja.

Segundo a PF, o grupo criminoso, composto majoritariamente por cidadãos chineses legalmente estabelecidos no Brasil, aliciava jovens brasileiras. As investigações seguem em curso e os envolvidos responderão pelos crimes de organização criminosa e tráfico internacional de pessoas.



Conteúdo Original

2025-06-10 03:30:00

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