Roubo de sinos de igrejas pelos nazistas marcou Europa e é tema de pesquisas históricas

Em uma anotação de diário feita no verão de 1943, Anne Frank escreveu que havia perdido completamente a noção do tempo. Os sinos da torre da igreja mais alta de Amsterdã, a Westertoren — bem ao lado do esconderijo no


Em uma anotação de diário feita no verão de 1943, Anne Frank escreveu que havia perdido completamente a noção do tempo. Os sinos da torre da igreja mais alta de Amsterdã, a Westertoren — bem ao lado do esconderijo no sótão onde ela vivia — haviam parado de tocar. “Já faz uma semana que estamos todos confusos em relação ao horário, desde que o nosso querido sino da Westertoren foi levado para uso em fábricas”, escreveu ela em 10 de agosto de 1943.

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Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha de Hitler requisitou cerca de 175 mil sinos de igrejas em toda a Europa, para extrair seus componentes metálicos — principalmente cobre e estanho. Eles eram derretidos e convertidos em munição.

A destruição dos sinos, considerada crime de guerra no Tribunal de Nuremberg, em 1945, e um ato de sacrilégio pela Igreja Católica Romana, é um aspecto pouco conhecido do saque nazista. Muitas cidades e vilarejos que, por séculos, haviam marcado o ritmo da vida cotidiana pelo toque dos sinos mergulharam no silêncio.

Kirrily Freeman, professora de História da Universidade St. Mary’s, em Halifax, no Canadá, afirma:

— Perder isso, de forma involuntária, e sobretudo porque muitas vezes ocorreu de maneira violenta, no contexto da ocupação, teria consequências enormes.

A perda musical, de acordo com a historiadora Carla Shapreau, pesquisadora sênior do Instituto de Estudos Europeus da Universidade da Califórnia, em Berkeley, deixou “um vazio sonoro na paisagem europeia”.

Torre Dom, em Utrecht, Holanda: assim como os sinos desta igreja, outros 150 mil foram roubados por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial — Foto: Desiré Van Den Berg/The New York Times

Foram necessários quase 20 anos para que a maioria desses sinos fosse substituída, disse Rainer Schütte, historiador e curador de sinos do Museu Klok & Peel, em Asten, na Holanda, dedicado à história dos sinos e dos carrilhões — instrumentos tocados por teclado, de experiência musical mais intensa.

— Em muitos lugares, as comunidades se mobilizaram para encomendar novos sinos e, às vezes, também acrescentar carrilhões — afirmou Schütte. — Com frequência, os carrilhões foram introduzidos como uma espécie de memorial às vítimas da guerra.

A apreensão nazista de sinos dentro da Alemanha — e depois na Europa ocupada — começou com um decreto assinado por Hermann Göring, segundo homem do regime de Hitler, intitulado “Requisição de todos os sinos para fins de guerra”, em 15 de março de 1940. Posteriormente, os países ocupados foram obrigados a inventariar seus sinos e classificá-los por data.

Sinos fundidos antes de 1450 não deveriam ser retirados, mas aqueles produzidos a partir de 1700 foram removidos e enviados a locais de fundição na Alemanha. Percival Price, músico, compositor e especialista em campanologia (o estudo dos sinos) nascido no Canadá e ligado à Universidade de Michigan, constatou que a Alemanha perdeu 102.500 sinos para o esforço de guerra. Entre os países ocupados, a Polônia teve cerca de 20.800 sinos de igrejas destruídos.

Anne Frank mencionou os sinos da Westerkerk algumas vezes em seu diário, segundo o pesquisador holandês da Segunda Guerra David Barnouw. Em fevereiro de 1944, ela descreveu ter ouvido “um sino” tocando “Erect of Body, Erect of Soul”; um mês depois, escreveu que, pelo som dos sinos ao lado, podia se sentir parte de um casamento.

Gertjan Broek, pesquisador da Casa de Anne Frank, disse que os sinos da Westertoren nunca ficaram totalmente silenciosos durante a guerra. Segundo ele, Anne pode ter acrescentado esse elemento por efeito dramático, baseando-se em notícias às quais tinha acesso por meio da imprensa clandestina da resistência.

O maior sino oscilante da Westerkerk foi confiscado no início de 1943 e devolvido em julho do mesmo ano, mas só voltou a tocar em novembro. O carrilhão da igreja, datado de 1658, nunca foi removido.

De acordo com os registros de Price, dos nove mil sinos existentes na Holanda antes da guerra, 4.660 jamais retornaram às torres de suas igrejas. Anne Frank e sua família foram descobertos em 4 de agosto de 1944 e deportados para um campo de extermínio nazista, onde ela morreu.

Quando a Holanda foi libertada, em maio de 1945, moradores de Amsterdã se reuniram ao redor da Westerkerk enquanto a bandeira holandesa era hasteada na torre e o hino nacional ecoava no antigo carrilhão.



Conteúdo Original

2025-12-28 03:30:00

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