Com informações do Diário do Rio. O Rio de Janeiro não sofre com falta de leis urbanas. Sofre com algo talvez pior: leis detalhadas, claras, em vigor há mais de 20 anos — e simplesmente ignoradas nas calçadas da cidade. É exatamente isso que acontece com as bancas de jornal cariocas. Ou ex-bancas?
Pouca gente sabe, mas existe uma legislação municipal específica que regula onde uma banca pode estar, qual tamanho pode ter, o que pode vender, a que distância deve ficar de outras bancas, dos prédios, do meio-fio e até por quanto tempo deve funcionar. A lei existe, está em pleno vigor desde 2002, foi reforçada por decretos posteriores e não deixa espaço para dúvidas. Ainda assim, o que se vê nas ruas do Rio é um cenário que desafia qualquer leitura do texto legal. Verdadeiros comércios tomaram conta das antigas bancas, que, como não custam nada de aluguel ou de IPTU, além de contribuírem para a informalidade acabam prejudicando a locação de imóveis que pagam impostos.
A Lei Municipal nº 3.425/2002 estabelece que a banca de jornal não é um ponto comercial comum, mas sim uma concessão precária. Isso significa que o permissionário não é dono do espaço, não tem direito adquirido, não pode transmitir o ponto como se fosse propriedade privada e pode perder a autorização a qualquer momento, caso descumpra as regras ou o interesse público assim determine.
Entre todas as normas previstas, há uma que talvez seja a mais objetiva — e também a mais sistematicamente desrespeitada: no mesmo logradouro, só pode existir uma banca de jornal a cada 400 metros lineares. A regra vale inclusive quando as bancas estão em ruas diferentes, caso em que a distância deve ser medida passando pelas esquinas. O objetivo é claro: evitar a concentração excessiva de bancas, proteger a circulação de pedestres e impedir a ocupação predatória do espaço público.
Mas a lei não para por aí. Ela também define dimensões máximas para as bancas, proibindo expansões improvisadas, anexos, “puxadinhos” e ocupações laterais que avancem sobre a calçada. Estabelece ainda recuos obrigatórios em relação ao meio-fio, às fachadas dos prédios, entradas, saídas, marquises e acessos, além de vedar a instalação em calçadas estreitas ou em locais que prejudiquem a mobilidade urbana.
Outro ponto central, frequentemente ignorado, diz respeito ao objeto da concessão. A banca existe para vender jornais, revistas, periódicos, livros e publicações afins. A transformação dessas estruturas em pontos de comércio generalista — vendendo produtos alheios à imprensa, funcionando como lojas improvisadas ou depósitos de mercadorias — descaracteriza completamente a finalidade legal da banca e autoriza a cassação da permissão.
A legislação também regula o funcionamento mínimo. Bancas que permanecem fechadas de forma contínua, sem exercer a atividade para a qual foram autorizadas, perdem a razão de existir do ponto de vista jurídico. Espaço público ocupado sem função pública é, por definição, irregular.
Tudo isso está escrito, aprovado e em vigor há décadas. Decretos municipais posteriores detalharam ainda mais a
aplicação da lei, reforçando que o descumprimento das regras pode resultar em multas, suspensão da autorização e até remoção forçada da estrutura pelo poder público.
O contraste entre o texto legal e a paisagem urbana real é gritante. O problema não está na ausência de normas, mas na falta de fiscalização contínua e na tolerância histórica com irregularidades que se naturalizaram. A cidade convive, assim, com bancas fora de padrão, fora de função, fora de medida — e fora da lei.
No fim das contas, a pergunta que fica não é se existe legislação. Ela existe, é detalhada e relativamente moderna. A questão é outra: até quando o Rio de Janeiro continuará tratando suas próprias leis urbanas como meras sugestões decorativas, ignoradas no dia a dia das calçadas?
2025-12-27 12:59:00



